quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

“Eu vos anuncio uma grande alegria: nasceu o Salvador, que é o Cristo Senhor”





Belém de Judá (Palestina) –– Ano 1 da era cristã.

É inverno. Fora da cidade, rebanhos de cabras e carneiros são vigiados por rudes pastores, os quais, na entrada da noite, recolhem seus animais em cavernas ou sob as saliências dos rochedos, muito abundantes naquela região calcária, para protegê-los das intempéries e da investida de animais ferozes.

A cidade, sentada como rainha no cume de uma colina de setecentos metros de altura, faz jus a seu nome:

Belém Ephrata, isto é, a fértil casa do pão. Suas encostas sorriem com a abundância de suas vinhas e olivais, ela é rica em suas colheitas. É nessa fértil casa do pão, numa daquelas cavernas, reclinado em uma manjedoura, que acaba de nascer Jesus Cristo, o pão vivo dos homens, descido do Céu!

Aqueles pastores, deserdados da fortuna, são muito mal vistos pelos judeus das sinagogas. Com efeito, vivem como nômades, longe do Templo e das casas de oração, sem condições de se conformarem à observância estrita dos ritos judaicos. E isso era inadmissível para um fariseu!

Contudo, entre eles havia almas retas e corações puros. E aconteceu que naquela noite alguns velavam e guardavam o seu rebanho. “E eis que apareceu junto deles um Anjo do Senhor, e a claridade de Deus os envolveu, e tiveram grande temor. Porém, o Anjo disse-lhes: Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo. Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc. 2, 8-11).

* * *

A noite ia em seu meio. As trevas tinham chegado ao auge de sua densidade. Tudo em torno dos rebanhos era interrogação e perigo. Quiçá alguns pastores, relaxados ou vencidos pelo cansaço, estivessem dormindo. Entretanto, outros havia a quem o zelo e o senso do dever não consentiam o sono.

Subitamente, uma luz apareceu para estes e os envolveu. Toda a sensação de perigo se desfez. E lhes foi anunciada por um Anjo a solução por excelência para todos os problemas e todos os riscos. Muito mais do que os problemas e os riscos de alguns pobres rebanhos ou de um pequeno punhado de pastores. Muito mais do que os problemas e os riscos que põem em contínuo perigo todos os interesses terrenos.

Sim, foi-lhes anunciada a solução para os problemas e os riscos em relação ao que o homem tem de mais nobre e mais precioso, isto é, a alma. Os problemas e os riscos que ameaçam, não os bens desta vida –– que, cedo ou tarde, perecerão ––, mas a vida eterna, na qual tanto o êxito quanto a derrota não têm fim.

Esses pastores, esses rebanhos, essas trevas, lembram a situação do mundo no dia do primeiro Natal.

* * *

Numerosas fontes históricas daquele tempo longínquo nos relatam que se apoderara de muitos homens de então a sensação de que o mundo havia chegado a um fracasso irremediável, de que um emaranhado inextricável de problemas fatais lhes fechava o caminho, de que estavam em um fim de linha além do qual só se divisava o caos e a aniquilação.

O mais cruciante da situação em que se encontrava o Mundo Antigo não estava em que os homens não tivessem o que queriam. Consistia em que, grosso modo, dispunham do que desejavam, mas depois de terem feito laboriosamente a aquisição desses instrumentos de felicidade, não sabiam o que fazer deles. De fato, tudo quanto haviam desejado ao longo de tanto tempo e de tantos esforços, lhes deixava na alma um terrível vazio. Mais ainda, não raras vezes atormentava-os. Pois o poder e a riqueza de que não se sabe tirar proveito para a glória de Deus servem tão-só para dar trabalho e produzir aflição.

Assim, em torno dos homens, tudo eram trevas. –– E nessas trevas, o que faziam eles? –– O que fazem os homens sempre que baixa a noite. Uns correm para as orgias, outros afundam no sono. Outros, por fim –– e quão poucos ––, fazem como os pastores zelosos: vigiam, à espreita dos inimigos que saltam no escuro para agredir; apressam-se para lhes dar rudes combates; oram com as vistas postas no céu escuro, e as almas confortadas pela certeza de que o sol raiará por fim, dissipará todas as trevas, eliminará ou fará voltar a seus antros todos os inimigos que a escuridão acoberta e convida ao crime.

No Mundo Antigo, entre os milhões de homens esmagados pelo peso da cultura e da opulência inúteis, havia homens de escol que percebiam toda a densidade das trevas, toda a corrupção dos costumes, toda a inautenticidade da ordem, todos os riscos que rondavam em torno do homem, e sobretudo toda a loucura a que conduziam as civilizações baseadas na idolatria.

Essas almas de escol não eram necessariamente pessoas de uma instrução ou de uma inteligência privilegiadas. Pois a lucidez para perceber os grandes horizontes, as grandes crises e as grandes soluções, vem menos da penetração da inteligência do que da retidão da alma.

De tal situação, davam-se conta os homens retos de então, para os quais a verdade é a verdade, e o erro é o erro. O bem é o bem, e o mal é o mal. As almas que não pactuavam com os desmandos do tempo, acovardadas pelo riso ou pelo isolamento com que o mundo cerca os inconformados. Eram almas deste quilate, raras e esparsas um pouco por toda parte, que vigiavam naquela noite, oravam, lutavam e esperavam a Salvação.

Esta começou a vir para aqueles pastores fiéis.

O velho mundo, adorador da carne, do ouro, e dos ídolos, morria. Um mundo novo nascia, baseado na Fé, na pureza, na ascese, na esperança do Céu.

Nosso Senhor Jesus Cristo resolverá tudo.

* * *


Nos tristes dias em que vivemos há ainda, daqui, dali e acolá, homens de boa vontade autênticos, que vigiam nas trevas, que lutam no anonimato, que fitam o Céu esperando com inquebrantável certeza a luz que voltará!

Esses homens de boa vontade ignotos, esses genuínos continuadores dos pastores de Belém, entendam como dirigidas a si próprios as palavras do Anjo: “Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria: nasceu o Salvador”.


Fontes de referência:

1. Cônego Duarte Leopoldo e Silva, Concordância dos Santos Evangelhos, Escola Typographica Salesiana, São Paulo, lª edição, 1903.

2. Plinio Corrêa de Oliveira, “Luz, o grande presente” in “Folha de S. Paulo”, 26-12-7l.

3. R. P. Berthe,Jésus-Christ - Sa vie, sa passion, son triomphe, Librairie Téqui, Paris, 57ª edição, 1924.

4. Ferdinand Prat, Sj. Jésus-Christ – Sa vie, sa doctrine, son oeuvre, Beauchesne et ses Fils, Paris, 16ª edição, 1947.

5. Santo Antonio Maria Claret, Selectos panegíricos, Librería Religiosa - Imprenta de Pablo Riera, Barcelona, 1860, tomo I.

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