quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

“Eu vos anuncio uma grande alegria: nasceu o Salvador, que é o Cristo Senhor”





Belém de Judá (Palestina) –– Ano 1 da era cristã.

É inverno. Fora da cidade, rebanhos de cabras e carneiros são vigiados por rudes pastores, os quais, na entrada da noite, recolhem seus animais em cavernas ou sob as saliências dos rochedos, muito abundantes naquela região calcária, para protegê-los das intempéries e da investida de animais ferozes.

A cidade, sentada como rainha no cume de uma colina de setecentos metros de altura, faz jus a seu nome:

Belém Ephrata, isto é, a fértil casa do pão. Suas encostas sorriem com a abundância de suas vinhas e olivais, ela é rica em suas colheitas. É nessa fértil casa do pão, numa daquelas cavernas, reclinado em uma manjedoura, que acaba de nascer Jesus Cristo, o pão vivo dos homens, descido do Céu!

Aqueles pastores, deserdados da fortuna, são muito mal vistos pelos judeus das sinagogas. Com efeito, vivem como nômades, longe do Templo e das casas de oração, sem condições de se conformarem à observância estrita dos ritos judaicos. E isso era inadmissível para um fariseu!

Contudo, entre eles havia almas retas e corações puros. E aconteceu que naquela noite alguns velavam e guardavam o seu rebanho. “E eis que apareceu junto deles um Anjo do Senhor, e a claridade de Deus os envolveu, e tiveram grande temor. Porém, o Anjo disse-lhes: Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo. Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc. 2, 8-11).

* * *

A noite ia em seu meio. As trevas tinham chegado ao auge de sua densidade. Tudo em torno dos rebanhos era interrogação e perigo. Quiçá alguns pastores, relaxados ou vencidos pelo cansaço, estivessem dormindo. Entretanto, outros havia a quem o zelo e o senso do dever não consentiam o sono.

Subitamente, uma luz apareceu para estes e os envolveu. Toda a sensação de perigo se desfez. E lhes foi anunciada por um Anjo a solução por excelência para todos os problemas e todos os riscos. Muito mais do que os problemas e os riscos de alguns pobres rebanhos ou de um pequeno punhado de pastores. Muito mais do que os problemas e os riscos que põem em contínuo perigo todos os interesses terrenos.

Sim, foi-lhes anunciada a solução para os problemas e os riscos em relação ao que o homem tem de mais nobre e mais precioso, isto é, a alma. Os problemas e os riscos que ameaçam, não os bens desta vida –– que, cedo ou tarde, perecerão ––, mas a vida eterna, na qual tanto o êxito quanto a derrota não têm fim.

Esses pastores, esses rebanhos, essas trevas, lembram a situação do mundo no dia do primeiro Natal.

* * *

Numerosas fontes históricas daquele tempo longínquo nos relatam que se apoderara de muitos homens de então a sensação de que o mundo havia chegado a um fracasso irremediável, de que um emaranhado inextricável de problemas fatais lhes fechava o caminho, de que estavam em um fim de linha além do qual só se divisava o caos e a aniquilação.

O mais cruciante da situação em que se encontrava o Mundo Antigo não estava em que os homens não tivessem o que queriam. Consistia em que, grosso modo, dispunham do que desejavam, mas depois de terem feito laboriosamente a aquisição desses instrumentos de felicidade, não sabiam o que fazer deles. De fato, tudo quanto haviam desejado ao longo de tanto tempo e de tantos esforços, lhes deixava na alma um terrível vazio. Mais ainda, não raras vezes atormentava-os. Pois o poder e a riqueza de que não se sabe tirar proveito para a glória de Deus servem tão-só para dar trabalho e produzir aflição.

Assim, em torno dos homens, tudo eram trevas. –– E nessas trevas, o que faziam eles? –– O que fazem os homens sempre que baixa a noite. Uns correm para as orgias, outros afundam no sono. Outros, por fim –– e quão poucos ––, fazem como os pastores zelosos: vigiam, à espreita dos inimigos que saltam no escuro para agredir; apressam-se para lhes dar rudes combates; oram com as vistas postas no céu escuro, e as almas confortadas pela certeza de que o sol raiará por fim, dissipará todas as trevas, eliminará ou fará voltar a seus antros todos os inimigos que a escuridão acoberta e convida ao crime.

No Mundo Antigo, entre os milhões de homens esmagados pelo peso da cultura e da opulência inúteis, havia homens de escol que percebiam toda a densidade das trevas, toda a corrupção dos costumes, toda a inautenticidade da ordem, todos os riscos que rondavam em torno do homem, e sobretudo toda a loucura a que conduziam as civilizações baseadas na idolatria.

Essas almas de escol não eram necessariamente pessoas de uma instrução ou de uma inteligência privilegiadas. Pois a lucidez para perceber os grandes horizontes, as grandes crises e as grandes soluções, vem menos da penetração da inteligência do que da retidão da alma.

De tal situação, davam-se conta os homens retos de então, para os quais a verdade é a verdade, e o erro é o erro. O bem é o bem, e o mal é o mal. As almas que não pactuavam com os desmandos do tempo, acovardadas pelo riso ou pelo isolamento com que o mundo cerca os inconformados. Eram almas deste quilate, raras e esparsas um pouco por toda parte, que vigiavam naquela noite, oravam, lutavam e esperavam a Salvação.

Esta começou a vir para aqueles pastores fiéis.

O velho mundo, adorador da carne, do ouro, e dos ídolos, morria. Um mundo novo nascia, baseado na Fé, na pureza, na ascese, na esperança do Céu.

Nosso Senhor Jesus Cristo resolverá tudo.

* * *


Nos tristes dias em que vivemos há ainda, daqui, dali e acolá, homens de boa vontade autênticos, que vigiam nas trevas, que lutam no anonimato, que fitam o Céu esperando com inquebrantável certeza a luz que voltará!

Esses homens de boa vontade ignotos, esses genuínos continuadores dos pastores de Belém, entendam como dirigidas a si próprios as palavras do Anjo: “Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria: nasceu o Salvador”.


Fontes de referência:

1. Cônego Duarte Leopoldo e Silva, Concordância dos Santos Evangelhos, Escola Typographica Salesiana, São Paulo, lª edição, 1903.

2. Plinio Corrêa de Oliveira, “Luz, o grande presente” in “Folha de S. Paulo”, 26-12-7l.

3. R. P. Berthe,Jésus-Christ - Sa vie, sa passion, son triomphe, Librairie Téqui, Paris, 57ª edição, 1924.

4. Ferdinand Prat, Sj. Jésus-Christ – Sa vie, sa doctrine, son oeuvre, Beauchesne et ses Fils, Paris, 16ª edição, 1947.

5. Santo Antonio Maria Claret, Selectos panegíricos, Librería Religiosa - Imprenta de Pablo Riera, Barcelona, 1860, tomo I.

sábado, 12 de dezembro de 2009

A aldeia, o Pintor e a Rainha




Logo no início deste mês, nossos olhos e nossos corações voltam-se para o Santo Natal. Voltam-se para a manjedoura onde repousa um Menino – o Divino Infante, adorado por sua Mãe Puríssima e São José, numa fria gruta de Belém. A alegria e a atmosfera natalina penetram nossos lares, brilham nos olhares inocentes, enchem de júbilo nossas almas. Mas, lamentavelmente, esse clima está quase desaparecendo nos dias de hoje. Não deixemos que isso aconteça! Depende de cada um de nós. Todos podem dar seu contributo para impedir que se distancie da face da Terra o ambiente próprio ao Natal, outrora tão marcante.




Wilson Gabriel da Silva




A pequena cidade ao pé dos Alpes vai mergulhando na quietude, à medida que um curto dia de inverno vai declinando. A neve cobre a paisagem, como alvo manto que aos poucos vai adquirindo tonalidades azuladas, enquanto as últimas claridades do dia disputam com a penumbra que avança. A fumaça sobe com elegância do alto das chaminés, e se difunde o agradável aroma de variados quitutes. Entrecortam o silêncio, aqui e acolá, o cacarejar de algumas galinhas que se acomodam no poleiro, o latir de um cão. Tudo indica a natureza preparando-se para o repouso.
De vez em quando, os refrãos de uma cantoria profana partem de um beco unido à rua principal. Sem dúvida, alguns folgazões antecipam na taverna a festa que terá lugar nas casas de família. Pela calçada, duas mulheres sobem decididamente em direção à praça. Os olhares denunciam o comentário irônico a respeito da taverna. A mais distinta não esconde sua reprovação, prevendo talvez os resultados do excesso de bebida.




A atmosfera natalina




De longe, aproximam-se a passo lento dois homens, reflexivos. Um carrega o peso da idade e da vida. O outro, jovem, tem na face a marca da fúria das paixões. Do alto da praça, o esguio campanário da igrejinha, co roado por sua cúpula dourada, domina o vilarejo. Subindo as escadarias, a catequista conduz um alegre bando de crianças. O soar compassado do velho sino anunciando o Angelus parece convidar todos a buscar lenitivo no sacramento da penitência. Dentro da igreja, um padre atende pacientemente a longa fila de confissões. Junto ao órgão, um coral afina os últimos acordes das músicas que serão cantadas na Missa do Galo: Stille Nacht, heilige Nacht... "Noite silenciosa, noite sagrada..." É véspera de Natal!
Se as ruas estão quase vazias, dentro das casas a vida é intensa. Na cozinha, as mulheres preparam com afã deliciosos pratos que serão servidos na ceia, enquanto conversam animadamente. No salão, a juventude da casa decora o presépio e a árvore de Natal. O avô entretém alguns netinhos com histórias de outros tempos. Uma pequena roda de homens conversa no salão. Animação, calma, reflexão, alegria primaveril, são sentimentos que se misturam nesse ambiente familiar profundamente católico.




O Redentor da humanidade



De um ambiente assim brotou a célebre canção natalina conhecida entre nós como Noite feliz. Ainda hoje encontram-se aqui e acolá, na Europa cristã, restos vivos de tradições que deram origem, por exemplo, à floração de canções natalinas (só nos países de língua alemã, são milhares). O mesmo se poderia dizer de contos e legendas, de brinquedos infantis ricos em inspiração e beleza.




Por quê?



Simplesmente porque é Natal. O Divino Infante faz da pobre manjedoura seu trono de glória, distribuindo graças de bondade que abrandam os corações, aplacam os rancores, dissipam os maus humores e dispõem as almas à prática da virtude.
Talvez se possa dizer que o Natal é a festa da inocência, porque nasceu o Inocente por excelência, Nosso Senhor Jesus Cristo. O Verbo de Deus encarnou nas entranhas puríssimas de Maria, e depois entregou-se à morte na cruz para nos resgatar a todos de toda iniqüidade1. Ou seja, do pecado, que é, em sua sordidez, imundície, feiúra, maldade, tirania, o oposto da inocência.
Somos todos pecadores porque, filhos de Adão, nascemos com o pecado original. Mas o Natal revela muito bem a diferença que existe entre o pecador purificado pelas águas
do batismo, que conservou a inocência batismal ou então reconhece seus pecados atuais, bate no peito com humildade e busca o perdão, e aquele que orgulhosamente desafia a Deus, estadeando sua revolta. Os inocentes e os contritos, refugiando-se junto ao Menino Jesus e Maria Santíssima, encontrarão a paz e a felicidade que são possíveis neste vale de lágrimas. Os revoltados viverão perpetuamente na geena da inveja, do remorso, do ódio e do desespero.

Cidades que são pedaços do Céu




“Senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos por escabelo de teus pés”, diz o Padre Eterno ao Verbo encarnado.
Quem são esses inimigos contra os quais Nosso Senhor vem para triunfar? O demônio, o mundo e a carne; e os que tramam com o poder das trevas.
Se quisermos, pois, reconstruir a cidade ideal, onde reine a ordem, o bem, a verdade, a beleza, devemos compreender a fundo essa oposição irreconciliável entre a virtude e o pecado. Será preciso que seus habitantes e dirigentes — sejam eles eclesiásticos ou leigos, nobres ou plebeus — pratiquem integralmente os Mandamentos, tenham verdadeira devoção a Nossa Senhora e espírito de luta contra os inimigos de Cristo e da Igreja, seu Corpo Místico. Somente a sociedade imbuída desse espírito profundamente cristão poderá gerar famílias, aldeias, cidades e regiões tão encantadoras que parecem pedaços do Céu.
Cidades que são pedaços do Céu
“Senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos por escabelo de teus pés”, diz o Padre Eterno ao Verbo encarnado2.
Quem são esses inimigos contra os quais Nosso Senhor vem para triunfar? O demônio, o mundo e a carne; e os que tramam com o poder das trevas.
Se quisermos, pois, reconstruir a cidade ideal, onde reine a ordem, o bem, a verdade, a beleza, devemos compreender a fundo essa oposição irreconciliável entre a virtude e o pecado. Será preciso que seus habitantes e dirigentes — sejam eles eclesiásticos ou leigos, nobres ou plebeus — pratiquem integralmente os Mandamentos, tenham verdadeira devoção a Nossa Senhora e espírito de luta contra os inimigos de Cristo e da Igreja, seu Corpo Místico. Somente a sociedade imbuída desse espírito profundamente cristão poderá gerar famílias, aldeias, cidades e regiões tão encantadoras que parecem pedaços do Céu.
Essa é a impressão que se pode ter ainda hoje em alguns lugares, mas que infelizmente conservam apenas a casca, já não têm mais o conteúdo da vida católica que possuíam no passado.
É compreensível que, numa civilização autenticamente cristã, a Terra possa assemelhar-se ao Céu. Pois se uma sociedade vive realmente da seiva de Nosso Senhor Jesus Cristo, recebida através dos sacramentos, em suas obras resplandecerá forçosamente a fé e o espírito católico de que ela vive.




A cidade do demônio



Pela via do contraste, compreenderemos igualmente a situação atual do mundo, no campo temporal como no espiritual.
Nas cidades, o império do crime, por vezes organizado e triunfante. Basta lembrar algumas referências: Rio, São Paulo, Comando Vermelho, PCC, corrupção, narcotráfico, Estado paralelo. Nos meios de comunicação e diversão, a pornografia cada vez mais freqüente e vitoriosa, acompanhada da homossexualidade, inclusive em sua variante particularmente abjeta, a pedofilia. Nos poderes públicos, freqüente desinteresse pelo autêntico bem comum, que leva a proporcionar os meios sociais adequados para glorificar a Deus e facilitar a salvação das almas. Quanto aos princípios teóricos de governo, quando estes existem, são em geral pelo estabelecimento da igualdade revolucionária, e portanto injusta; bem como de práticas imorais, traduzidas em leis e reformas como as que têm sido implantadas em âmbito universal.
Acelera-se, por outro lado, a desagregação das famílias com a banalização dos divórcios e a generalização do amor livre. Com o triunfo do hedonismo e a busca
egoísta do prazer pelo prazer, assassinam-se os filhos mediante os abortos, ou não se educam cristãmente os que nasceram. Numa época em que pais matam os próprios filhos, há também filhos que matam os pais. Tal é a triste situação das pessoas e das famílias que, deixando-se arrastar pela pressão da sociedade neopagã, dobram os joelhos diante dos ídolos contemporâneos: a televisão, a moda, os que ditam as regras nas rodas sociais.




A crise na Igreja



E a Santa Igreja Católica, a única verdadeira Igreja de Deus?
É melhor calar. Lê-se no Gênesis que o Patriarca Noé, tendo-se embriagado por inadvertência, ficou nu. Um de seus filhos viu-o e foi contar despudoradamente aos irmãos. Por isso sua descendência foi amaldiçoada, ao contrário dos outros, cuja preocupação foi de cobrir a nudez paterna, evitando fitá-la. Esse mesmo respeito filial, devemos tê-lo em relação à Igreja. O que não significa fechar os olhos à realidade ou pactuar com o mal de tantos pastores que a si mesmos se degradam. Pois é público e notório que a Igreja se vê envolta hoje em uma crise sem precedentes, cuja gravidade tem sido reconhecida mesmo pelas mais altas autoridades eclesiásticas4. Ademais, a meditação dessa dolorosa crise seria mais própria à Semana Santa do que às alegrias do Natal.




O celeste pintor



Nossas considerações podem ser resumidas numa metáfora empregada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Comparou ele a história do mundo e da Igreja a um grande quadro, onde um celeste pintor teria representado toda a beleza e ordem da Criação. Para maior brevidade, imaginemos a aldeia descrita no início deste artigo, não com suas limitações, mas acrescida de todas as perfeições possíveis, refulgindo em todo o seu esplendor: harmonia das classes sociais, das famílias, das pessoas de todas as idades e condições, das demais criaturas dos reinos animal, vegetal e mineral. Tudo estaria ali representado em conformidade com os planos de Deus, dando uma idéia do paraíso terrestre.
Na calada da noite, enquanto o celeste pintor adormece, a mão misteriosa de um ente maligno adultera completamente esse quadro: o comerciante digno e honesto tornou-se vulgar ladrão; a linda e virtuosa princesa é agora vil prostituta; o nobre e heróico cavaleiro transformou-se em repugnante efeminado; o grande rei bondoso transformou-se em desprezível escravo revoltado; a criança inocente passou a ser a própria encarnação do vício. As mesmas adulterações se verificam nas paisagens e demais detalhes: palácios de conto de fadas transformados em horríveis pardieiros; lindos pássaros tornaram-se monstros; até a vegetação ficou pavorosa e agressiva, como num retrato do inferno.
Pode-se imaginar o assombro e a indignação do celeste pintor diante dessa pavorosa desfiguração de sua obra? Haverá exagero nessa comparação entre o mundo de hoje — deformado por uma Revolução que vem corrompendo a civilização cristã desde o século XVI — e os desígnios do celeste pintor, o próprio Deus?




Como “restaurar” o Natal?



Em suas linhas essenciais, a metáfora retrata sem dúvida a ação satânica para desfigurar a Santa Igreja Católica e demolir brutalmente a Civilização Cristã.
Se notamos traços desse pesadelo neste Natal de 2002, o que fazer? Se não sentimos mais aquele clima natalino, outrora tão acentuado e que se percebia em todos os lugares, o que fazer?
Se a frágil barquinha de nossa alma, ou mesmo a barca da Igreja, for agitada pelas borrascas deste mundo, saibamos manter inabalável a confiança no Coração de Jesus e de Maria5.
Voltemos nosso olhar para o presépio. Aquele Menino envolto em panos e aquecido pelo bafo dos animais é o Anjo do Grande Conselho, é o Filho de Deus! "Senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos por escabelo de teus pés", diz-lhe o Padre Eterno, com o qual Ele é Um. Em outras palavras, aquele frágil Menino é Deus onipotente, Criador dos Céus e da Terra! É Ele o celeste pintor, e portanto pode anular num instante a deformação realizada em sua obra pelo Maligno!
Mas o que posso eu, pobre mortal, “vermezinho e miserável pecador6”? O que podeis vós, leitor, leitora?
“Tudo posso naquele que me conforta”, devemos responder com São Paulo7. Mas poderemos muito mais ainda se nos voltarmos para a Rainha de quem o Menino Deus quis depender totalmente para vir morar entre os homens.
Vida, doçura, esperança nossa, Maria pode tudo junto ao Altíssimo. Mãe de Cristo, Mãe nossa! Advogada nossa! É só nos ajoelharmos diante do Presépio, pedirmos tudo o que quisermos ou tudo o que Ela nos quiser dar. Rainha dos corações, Ela pode obter de seu Filho os maiores milagres espirituais ou físicos. Jesus tem poder sobre os vulcões e os terremotos, os ventos e os mares. Ele pode transformar as pedras brutas em filhos de Abraão, ou seja, em homens justos! E Maria Rainha tem o poder da súplica sobre seu Filho onipotente!
Nesse sentido, leitor, se possível, monte um Presépio em seu lar; reze com sua família diante dele; pode também enfeitar uma árvore de Natal; narre aos filhos contos natalinos tradicionais; fale a respeito das cenas relacionadas com o nascimento do Menino Jesus; ensine aos pequenos as belas canções natalinas antigas; mostre que Natal não é sinônimo de presentes, sobretudo não é ocasião de comércio, muito menos de passeios; na noite de Natal, prepare uma ceia iluminada à luz de velas e iniciada por orações próprias para a ocasião. Esses são alguns meios entre vários, mas de que todos dispomos para con
tribuir para restaurar um pouco da atmosfera de Natal em nossas casas. Quem sabe os vizinhos imitem, e se forme assim uma cadeia de luzes! Até o momento bendito e tão esperado em que, por iniciativa de Deus, essa aprazível e benéfica atmosfera de bênçãos e graças se expanda vitoriosamente pelas cidades, pelo País, pelo mundo.






Notas:



1.Cf. Epístola a Tito 2, 11-15.
2.Gradual da primeira Missa de Natal.
3.Gen. 9, 20-27.
4.Por exemplo: Paulo VI, na alocução Resistite fortes in fide, de 29 de junho de 1972; João Paulo II, na alocução de 6 de fevereiro de 1981 aos participantes do congresso "Missões junto ao povo para os anos 80"; Cardeal Ratzinger, no livro Rapporto sulla fede (Paoline, Milano, 1985, pp. 27 ss.).
5.Os corações — ou seja, as vontades, as mentalidades de Jesus e de Maria — são de tal maneira unidos, que formam como que um só coração, segundo a espiritualidade ensinada por São João Eudes.
6.Consagração à Sabedoria Eterna e Encarnada pelas mãos de Maria, de São Luís Maria Grignion de Montfort.
7.Epístola aos Philipenses, 4,13.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A Satíssima Virgem, a tradição e o Natal













O mundo moderno não dá o devido valor à verdadeira tradição.
Entretanto, mesmo recentes descobertas científicas a confirmam.





No mundo pragmático e materialista de hoje, em geral as pessoas costumam acreditar só naquilo que vêem documentado em papéis repletos de carimbos. Quanto ao Natal, por exemplo, muitos julgam legítimo pôr em dúvida quase tudo. Motivo? Onde está o papel escrito, a certidão provando que o nascimento do Menino Jesus foi no dia 25 de dezembro? Que ocorreu na cidade de Belém, a Bíblia o atesta, mas não precisa a data. Não será uma data convencional? Se não há uma certidão escrita, não há certeza...
Tal raciocínio despreza totalmente o valor da tradição, aquilo que nossos antepassados foram transmitindo de geração em geração.
Entretanto, justamente neste século adorador da ciência, esta vem confirmar a tradição. Não apenas nas maravilhosas descobertas sobre o Santo Sudário de Nosso Senhor, ou sobre a santa casa de Loreto, a ciência vem corroborando aquilo que a tradição sempre ensinou. Agora também, a respeito do Natal, a ciência vem confirmar que a tradição não mentiu. Como?


Nossa Senhora e a tradição



A uma pessoa com mentalidade católica, parece impossível pensar que a Santíssima Virgem não tivesse contado aos Apóstolos — e estes, por sua vez, não houvessem comunicado a seus discípulos — numerosas informações a respeito do nascimento do Divino Redentor. Entre elas, é óbvio, indicou a data de tão importante acontecimento. Não apenas isto, mas os fiéis devem ter guardado relíquias do memorável fato. Assim, por exemplo, o presépio onde Nosso Senhor nasceu encontra-se na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma.
A tradição católica sempre ensinou ser o dia 25 de dezembro a data do Natal. Nesse fato, pode-se vislumbrar ademais um simbolismo: é um dos dois períodos do ano em que a Terra está mais distante do sol. E Nosso Senhor teria querido nascer nesse dia, uma vez que os homens nunca tinham estado tão afastados de Deus, o sol de justiça.





O testemunho dos evangelistas





Lendo a Sagrada Escritura, verificamos que, dos quatro evangelhos, só dois falam do nascimento do Menino-Deus. Um deles é o de São Mateus, atestando que Nosso Senhor nasceu em Belém, no reinado de Herodes, o que determina a época, mas não a data. O Evangelho de São Lucas é bem mais detalhado, e fornece dados valiosos para se determinar a data exata do nascimento do Messias.
Esse texto bíblico começa narrando o nascimento de São João Batista. Diz que seu pai, o sacerdote Zacarias, estava prestando serviço litúrgico no Templo de Jerusalém quando lhe foi revelado pelo Arcanjo São Gabriel que lhe nasceria um filho — o precursor do Messias. E que, tendo terminado seu turno no Templo, retornou ele para sua casa, e poucos dias depois sua mulher, Santa Izabel, concebeu São João Batista. Aos seis meses exatos dessa concepção — prossegue o mesmo evangelista — deu-se a Anunciação a Maria (Lc 1, 26).

Assim, temos a possibilidade de conhecer a data do Natal: se soubermos qual a data em que São Zacarias oficiava no Templo, e sabendo que seis meses depois ocorreu a Anunciação, basta acrescentarmos nove meses para obtermos a data do Nascimento de nosso Salvador.





Descoberta arqueológica





Para as datas se ajustarem, São Zacarias deveria estar oficiando no Templo em fins de setembro. Seis meses depois chega-se ao mês de março, e após nove meses atinge-se os últimos dias de dezembro.
Os levitas do Templo de Jerusalém dividiam-se em 24 classes sacerdotais, que se revezavam todo o ano numa ordem imutável. Cada grupo prestava serviço durante uma semana, duas vezes ao ano. Sabemos que São Zacarias pertencia à classe de Abias, que era a oitava do elenco oficial.
A respeito dessa questão, pairava uma dúvida: ninguém conhecia as datas em que cada grupo oficiava, o que era um empecilho para determinar uma data com precisão. Mas recentemente se fez uma descoberta capital. Descreve-a o conhecido jornalista Vittorio Messori, em artigo intitulado Jesus nasceu verdadeiramente em 25 de dezembro, no diário “Corriere della Sera”, de Milão, em 9-7-03:
“Utilizando pesquisas desenvolvidas por outros especialistas e trabalhando sobretudo em textos encontrados na biblioteca dos essênios de Qumram, o enigma foi revelado pelo professor Shemarjahu Talmon, o qual ensina na Universidade hebraica de Jerusalém. Ou seja, o estudioso conseguiu precisar em que ordem cronológica sucediam-se as 24 classes sacerdotais. A de Abias prestava serviço litúrgico no templo duas vezes por ano, como as outras, e uma dessas vezes era na última semana de setembro. Portanto, era verossímil a tradição cristã oriental que situa entre 23 e 25 de setembro o anúncio a Zacarias. Mas tal verossimilhança aproxima-se da certeza porque, estimulados pela descoberta do professor Talmon, os estudiosos reconstruíram o fio daquela tradição, chegando à conclusão de que ela provinha diretamente da Igreja primitiva judeu-cristã de Jerusalém”.



A ciência e a tradição



Surpreendente? Sim e não. Sim, porque a forma encontrada para resolver o caso passa por um pequeno detalhe ressaltado no Evangelho: que São Zacarias pertencia à classe de Abias. Sim, também, pelo fato de ter sido a descoberta feita por uma pessoa que não é católica. Por outro lado não, porque até agora nenhuma pesquisa científica séria conseguiu contradizer os dados da tradição cristã.
Paira entretanto uma pergunta: por que existe tanto desprezo e desconfiança contra a tradição católica? Se analisarmos bem o problema, veremos que, no fundo, a razão disso é que ela revela a contínua intervenção de Deus na História.
Quantas vezes uma verdade poderia ter sido desvirtuada por boatos e mal-entendidos... O fato de que uma verdade comunicada no século I tenha chegado a nossos dias sem deformações, só pode ser explicado por um auxílio sobrenatural. Naturalmente falando, uma tal transmissão, atravessando os séculos e passando por povos diferentes, poderia ter-se deformado. Mas Deus protege sua Igreja, impedindo a distorção de uma verdade.
A tradição desperta igualmente a antipatia de certas pessoas contaminadas pela mentalidade moderna, segundo a qual tudo está em contínua mudança, devendo-se, em conseqüência, ter em vista mais o futuro e não o passado. Revelar até que ponto o passado está presente em nossos dias irrita tais mentalidades modernizantes e progressistas.
Mas, para alegria dos verdadeiros católicos, mais uma vez a tradição foi confirmada. E podemos agradecer a Nossa Senhora o nascimento do Verbo Encarnado na data já consagrada pelo decurso de tantos séculos.









Autor: Valdis Grinsteins Fonte: Catolicismo

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Os Evangelhos falam pouco de Nossa Senhora



Uma objeção comum dos protestantes é de que o Novo Testamento pouco fala de Nossa Senhora. Logo, eles concluem que Maria Santíssima não tem tanta importância, pois se tivesse, as Epístolas dos Apóstolos com certeza ensinariam a respeito.
O fato do Novo Testamento, aparentemente, pouco falar de Nossa Senhora não significa muita coisa. Os Evangelhos apenas tratam da "Vida Pública" de Nosso Senhor, durante apenas 3 anos de sua vida. As Epístolas tratam da expansão da Igreja de Cristo.
Pelo raciocínio protestante, a chamada "vida oculta" de Nosso Senhor (até os 30 anos de idade) significaria que durante 30 anos de sua vida, Nosso Senhor não tinha muita importância...
Ora, Jesus Cristo passou 30 anos com Nossa Senhora e só 3 anos com o resto da humanidade. Será que isso já não é sinal de que há muitas coisas que não conhecemos da vida de Nosso Senhor e de Nossa Senhora? "Há ainda muitas coisas feitas por Jesus, as quais, se se escrevessem uma por uma, creio que este mundo não poderia conter os livros que se deveriam escrever" (Jo 21,25).
Pois bem, já por aí se percebe a precipitação do raciocínio de alguns protestantes.
Agora podemos analisar se, de fato, os Evangelhos falam pouco de Nossa Senhora.
Os católicos conhecem a obra prima de Deus, que é Nossa Senhora, a criatura mais perfeita que foi criada, onde Deus escolheu como tabernáculo para si: "Cristo, porém, apareceu como um pontífice dos bens futuros. Entrou no tabernáculo mais excelente e perfeito, não construído por mãos humanas, nem mesmo deste mundo" (Hebr 9, 12).
Esse tarbenáculo mais excelente e perfeito foi saudado pelo Arcanjo S. Gabriel: "Ave, cheia de graça. O Senhor é convosco". Quanta grandeza apenas nessas palavras. Nossa Senhora tinha a graça de Deus e Deus era com Ela ainda antes da concepção...
Naquele momento se cumpria todas as profecias da vinda do Messias. Era o momento da encarnação do Verbo de Deus, onde tudo dependia de um consentimento de uma "virgem", o seu "sim" nos trouxe o Messias esperado.
A maneira da saudação angélica transparece a grandeza de Nossa Senhora, pois o Anjo a saúda com a "Ave, Cheia de Graça". Ele troca o nome "Maria" pela qualidade "Cheia de Graça", como Deus desejou chamá-la.
Ela era a criatura que havia "achado graça diante de Deus" e, por isso, foi escolhida como a Mãe Dele.
E continua o Arcanjo: "Bendita sois vós entre as mulheres."
Poucas palavras - e palavras tão simples - para mostrar o fato central do cristianismo: a encarnação do Verbo de Deus. Um fato esperado pelos séculos, cujo os profetas não viram... apesar de tanto terem desejado. Todas as profecias do Antigo Testamento inclinam-se diante dessas poucas palavras. Todo o Novo Evangelho é conseqüência dessa encarnação, e todo o Antigo Testamento era o prenúncio do que ocorria naquele momento, naquele pequeno cômodo da casa de Nazaré, onde uma Virgem recebia a visita de um enviado de Deus.
Que maravilha da graça se operava naquele momento, quando a Virgem Maria cooperava, pelo livre consentimento de sua fé, de sua virgindade, de sua humildade, para o mistério inicial do Cristianismo, coberta pela sombra do altíssimo, revestida do Espírito Santo, e concebendo, em seu seio virginal, o próprio Filho de Deus!
Logo em seguida, que culto já não lhe prestou a própria Santa Izabel quando a aclamou: "Mãe de meu Senhor": "Donde me vem a dita que a Mãe de meu Senhor venha visitar-me?" (Lc 1, 43). E, no ventre de Santa Izabel, exultava S. João Batista ao ouvir a voz de Nossa Senhora.
Santa Izabel, repleta do Espírito Santo, exclama em alta voz, repetindo e completando as palavras do Anjo: "Bendita sois vós entre todas as mulheres; bendito é o fruto do vosso ventre!".
E a própria Nossa Senhora completa, inspirada pelo Espírito de Deus: "De hoje em diante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque Aquele que é todo poderoso fez em mim grandes coisas!" (Lc 1, 48).
Já na manjedoura os Reis Magos foram adorar o Menino-Deus "nos braços de Maria, sua mãe" (Mt 2, 11), como fazem todos os católicos do mundo inteiro.
E o velho Simeão, profetizando, associa a Virgem Mãe de Deus a todas as contradições a que estaria sujeito o seu Filho, e de modo particular ao gládio de dor que deverá uní-lo no grande suplício (Lc 2, 34).
E como poderia ser menor a grandeza Daquela que tinha autoridade sobre o próprio Deus, que a obedecia na intimidade do lar: "... mostrando-se submisso a ela em tudo" (Lc 2, 51).
Nas Bodas de Caná transparece de modo fulgurante o poder da Santíssima Virgem, que é capaz de "alterar" a hora de Deus, que a adianta pelo pedido de sua Mãe, fazendo o seu primeiro milagre e confirmando a fé em seus apóstolos, mudando a água em vinho (Jo 2, 1- 11).
É por isso que nos diz o Evangelho, narrando a grandeza de Maria Santíssima: "Bem-aventurada as entranhas que te trouxeram e o seio que te amamentou" (Lc 11, 27).
Eis o culto de Nossa Senhora fundado no Evangelho, dele dimanando como de sua "fonte divina", e dali se irradiando séculos afora. Eis o culto de Maria Santíssima, não escondido nas trevas, nem envolto no silêncio, mas divinamente proclamado à face do universo.
Os séculos ouvirão e compreenderão estes exemplos e lições evangélicas. E é para lhes corresponder que os cristãos de todos os tempos irão prostrar-se aos pés de Maria, implorando-lhe auxílio e proteção.
Os Evangelhos, afinal, falam pouco de Nossa Senhora? Só se déssemos primazia à quantidade em detrimento das palavras... Maior foi o milagre da encarnação do que todas as ressurreições operadas por Nosso Senhor Jesus Cristo. Se não houvesse a encarnação, não haveria a Redenção.
É certo que Nossa Senhora, durante toda a sua vida, procurou ficar no anonimato, escondida dos homens e amada por Deus.
Era tanto o esplendor da Santíssima Virgem que S. Dionísio, o areópagita, declara que teria considerado Maria como uma divindade, se a fé não lhe houvera ensinado ser ela a mais perfeita imagem que de si formara a Onipotência.
Santo Irineu dizia: "Os laços, pelos quais Eva se deixou acorrentar, por sua credulidade, Maria rompeu-os pela sua fé". Referindo-se, é claro, à passagem do Gênesis: "Ei de por inimizade entre ti e a mulher, entre sua raça (semente) e a tua; ela te esmagará a cabeça" (Gen 3, 15). O que Eva perdeu por orgulho, Nossa Senhora ganhou por humildade.
São tantos os mistérios da Maternidade de Maria Santíssima...
É certo que os Evangelistas evitaram falar muito de Nossa Senhora, ou por pedido Dela, ou para evitar um culto equivocado à Mãe de Deus junto a um povo que era politeísta. Mas o pouco que falam, falam muito! Ela é verdadeiramente Mãe de um Deus que é Homem e de um Homem que é Deus. Ela é verdadeiramente nossa mãe quando, aos pés da cruz, Nosso Senhor a confiou a S. João. Ela é a onipotência suplicante que é capaz de mudar a "hora" de Deus. Ela é verdadeiramente Imaculada, isenta do Pecado Original, sendo o "tabernáculo" puríssimo que Deus escolheu para si.
Os evangelistas em suas liturgias, entretanto, muito falaram de Nossa Senhora, como veremos nos tópicos seguintes, que demonstram, inequivocamente, a grandeza do nome da Virgem de Nazaré, a Mãe de Deus, a Imaculada Conceição, a Onipotência suplicante, a Medianeira universal de todas as Graças, assunta ao Céu de corpo e alma, Rainha dos homens e dos anjos.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A Fundação da Igreja Católica




"E eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; e eu te darei as chaves do reino dos Céus: e tudo o que desatares sobre a terra, será desatado também nos céus." (Mt. 16, 18)
Como isso é claro e positivo! Jesus Cristo muda o nome de Simão, em pedra (aramaico: Kephas, significa pedra e pedro, numa única palavra, como em francês Pierre é o nome de uma pessoa e o nome do minério pedra).
Deus fez diversas vezes tais mudanças, para que o nome exprimisse o papel especial que deve representar a pessoa. Assim mudou o nome de Abrão em Abraão (Gn 17, 5), para exprimir que devia ser o pai de muitos povos.
Mudou ainda o nome de Jacob em Israel (Gn 32, 28) para significar a "força contra Deus". Assim Jesus Cristo mudou o nome de Simão em Pedro, sobre a qual estará fundada a Igreja, sendo o seu construtor o próprio Cristo.
Em todo o trecho em que Nosso Senhor confirma S. Pedro como primeiro Papa, fica evidente que Ele se dirige, exclusivamente, a S. Pedro, sem um mínimo desvio: "Eu te digo... Tu és Pedro... Sobre esta pedra edificarei... Eu te darei... O que desatares..."
S. Pedro é a pessoa a quem tudo é dirigido ... é ele o centro de todo este texto.
Esse ponto é muito importante, pois a interpretação truncada dos protestantes quer admitir o absurdo de que Nosso Senhor não sabia se exprimir corretamente. Eles dizem que Cristo queria dizer: "Simão, tu és pedra, mas não edificarei sobre ti a minha Igreja, por que não és pedra, senão sobre mim." Ora, é uma contradição, pois Nosso Senhor alterou o nome de Simão para "Kephas", deixando claro quem seria a "pedra" visível de Sua Igreja.
A primazia de S. Pedro comprovada nas Sagradas Escrituras e na Tradição
"Eu te darei as chaves do Reino dos Céus" [a S. Pedro] - (Mt. 16, 17-19) - Primazia de jurisdição sobre todos, pois é a ele que a sentença é dita.
O primado de S. Pedro sobre os outros fica claramente expresso quando ele: 1) preside e dirige a escolha de Matias para o lugar de Judas (At 1,1-25); 2) É o primeiro a anunciar o evangelho no dia de Pentecostes (At 2, 14); 3) Testemunha, diante do Sinédrio, a mensagem de Cristo (At 10, 1); 4) Acolhe na Igreja o primeiro Pagão (At 10,1); 5) Fala primeiro no Concílio dos Apóstolos, em Jerusalém, e decide sobre a questão da circuncisão: "Então toda a assembléia silenciou"(At 15, 7-12), etc.
Todos os sucessores dos apóstolos atestam o primado de Pedro e dos seus sucessores, como, por exemplo: 1) Tertuliano: "A Igreja foi construída sobre Pedro"; 2) S. Cipriano: "Sobre um só foi construída a Igreja: Pedro"; Santo Ambrósio: "Onde há Pedro, aí há a Igreja de Jesus Cristo".
S. Mateus enumerando os apóstolos, confirma o primado de S. Pedro: "O primeiro, Simão, que se chama Pedro"(Mt 10, 2).
No século I, o Bispo de Roma, Clemente, escrevendo aos Coríntios, para chamar à ordem os que injustamente tinham demitido os presbíteros, declara-lhes que serão réus de falta grave se não lhe obedecerem. O procedimento de Clemente de Roma tem maior importância, se considerarmos que nessa época ainda vivia o apóstolo S. João que não deixaria de intervir se o Bispo de Roma estivesse no mesmo plano dos outros bispos.
No princípio do sec. II, Santo Inácio escreve aos romanos que a Igreja de Roma preside a todas as demais.
S. Irineu diz ser a Igreja Romana a "máxima" e fundada pelos apóstolos Pedro e Paulo (Heres. 3. 3. 2). Traz mais a lista dos dirigentes da Igreja Romana desde S. Pedro ate o Papa reinante no tempo dele, que era S. Eleuterio. Ao todo eram só doze. Eis a lista de modo ascensional: Eleuterio; Sotero; Aniceto; Pio; Higino; Telesfor; Xisto; Alexandre; Evaristo; Clemente; Anacleto; Lino; Pedro. (veja que S. Irineu deve ter vivido no entre o ano 100 e 200 DC). S. Jerônimo escrevendo a S. Dâmaso, Papa, diz: "Eu me estreito a Vossa Santidade que equivale a Cátedra de Pedro. E esta a pedra sobre a qual Jesus Cristo fundou a sua Igreja. Seguro em vossa cátedra eu sigo a Jesus Cristo". Fala nisto direta ou indiretamente diversos santos e cristãos dos primeiros séculos, formando a mais universal das tradições, a mais firme convicção histórica. Só para citar alguns: S. Epifanio, Osório Pedro de Alexandria, Dionísio de Corinto, S. João Crisóstomo, Papias, etc.
Nosso Senhor: "Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu com instância para vos joeirar como trigo; mas eu roguei por ti, para que não desfaleça a tua fé; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos" (Luc. 22, 31-32). Ou seja, é S. Pedro que tem a missão, dada pelo próprio messias, de 'confirmar' seus irmãos. Essa missão supõe, evidentemente, o primado de jurisdição.
S. Pedro é nomeado pastor das ovelhas de Cristo. Após a Ressurreição, Nosso Senhor confia a Pedro a guarda de seu rebanho, isto é, confia-lhe o cuidado de toda a cristandade, dos cordeiros e das ovelhas: "Apascenta os meus cordeiros", repete-lhe duas vezes; e à terceira: "apascenta as minhas ovelhas" (Jo. 21, 15-17). Ora, conforme o uso corrente das línguas orientais, a palavra apascentar significa "governar". Apascentar os cordeiros e as ovelhas é, portanto, governar com autoridade soberana a Igreja de Cristo; é ser o chefe supremo; é ter o primado. Além do que a imagem de "pastor" designa, na Sagrada Escritura, o Messias e sua obra (cf. Mq 2,13; 4,6s; Sf 3,18s, Jr 23,3; 31,19; Is 30,11; 49,9s). Ora, confiando a S. Pedro a missão de pastor, Nosso Senhor o constituiu seu representante visível na Terra.
No catálogo dos apóstolos (Mt 10, 2-4; Mc 3, 16-19; Lc 6, 13-16; At 1, 13), S. Pedro sempre é colocado em primeiro lugar. Em Mt. 10, 2 lê-se explicitamente que Pedro é o primeiro ("Prótos"). Ora, "prótos" tanto quer dizer o primeiro numericamente como o primeiro em dignidade e honra (v. Mt 20, 27; Mc 12, 28,31; At 13, 50; 28,17).
Em Mt. 17, 24-27, curiosamente, Nosso Senhor mandou pagar o tributo ao templo em nome Dele e de S. Pedro, demonstrando a importância daquele que seria o seu representante visível. Ele não manda que se pague em nome dos outros apóstolos, apenas de S. Pedro.
S. Pedro esteve em Roma, foi o primeiro Bispo de Roma e foi martirizado em Roma
A estadia de S. Pedro em Roma é incontestável historicamente. Sobre ela atestam Orígenes (ano 254), Clemente de Alexandria (215), Tertuliano (222), S. Irineu (202), Dionísio (171). Do século primeiro, convém destacar S. Inácio (107) e Clemente Romano (101). Esses historiadores e testemunhas são reconhecidos, pela crítica moderna, como autoridades dignas de fé.
Existe uma série ininterrupta de testemunhos do Século III até aos apóstolos e isso sem uma voz discorde.
Em Cartago e em Corinto, em Alexandria e Roma, na Gália como na África, no Oriente como no Ocidente, a viagem de S. Pedro a Roma é afirmada unanimemente, como fato sobre o qual não pairou nunca a mínima dúvida.
Orígenes (+ 254) diz: "S. Pedro, ao ser martirizado em Roma, pediu e obteve fosse crucificado de cabeça para baixo" (Com. in Genes., t. 3).
Clemente de Alexandria ( + 215) diz: "Marcos escreveu o seu Evangelho a pedido dos Romanos que oviram a pregação de Pedro" (Hist. Ecl. VI, 14).
Tertuliano (+ c. 222), por sua vez, diz: "Nero foi o primeiro a banhar no sangue o berço da fé. Pedro então, segundo a promessa de Cristo, foi por outrem cingido quando o suspenderam na Cruz" (Scorp. c. 15).
No século II abundam igualmente provas.
Santo Irineu (+ 202) escreve na sua grande obra "contra as heresias": "Mateus, achando-se entre os hebreus, escreveu o Evangelho na língua deles, enquanto Pedro e Paulo evangelizavam em Roma e aí fundavam a Igreja" (L. 3, c. 1, n. 1, v. 4).
Dionísio (+ 171) escreve ao papa Sotero: "S. Pedro e S. Paulo foram à Itália, onde doutrinaram e sofreram o martírio no mesmo tempo" (Evas. Hist. Eccl. II 25).
Do século I convém destacar:
Santo Inácio (+ 107), Bispo de Antioquia, que conviveu longos anos com os apóstolos. Condenado por Trajano, fez viagem para Roma, onde foi supliciado, tendo escrito antes uma carta aos Romanos onde diz: "Tudo isso eu não vos ordeno como Pedro e Paulo; eles eram apóstolos, e eu sou um condenado" (ad Rom., c IV).
Clemente Romano (+101), 3o sucessor de S. Pedro, conheceu-o pessoalmente em Roma. É, por isso, autoridade de valor excepcional. Eis o que escreve: "Ponhamos diante dos olhos os bons apóstolos Pedro e Paulo. Pedro que, pelo ódio iníquo, sofreu; e depois do martírio, foi-se para a mansão da glória. A estes santos varões, que ensinavam a santidade, associou-se grande multidão de eleitos, que, supliciados pelo ódio, foram entre nós de ótimo exemplo".
Note que só estão citados autores do início do cristianismo, para que não fique dúvida acerca da idoneidade dos testemunhos, que poderiam ser objeto de dúvida dos protestantes... É bom revelar que nenhum protestante imparcial teve a ousadia de contestar esses historiadores.
É, portanto, um fato certo que S. Pedro esteve em Roma e foi ali martirizado sob o reinado de Nero. Nenhum historiador, até os protestantes, isto é, durante 1500 anos, o contesta; ao contrário: para todos eles é um fato notório e público.
Vamos agora provar que S. Pedro foi o primeiro Bispo de Roma:
Poderíamos citar muitas longas passagens de S. Irineu, Caio, S. Cipriano, S. Agostinho, S. Optato, S. Jerônimo, Sulpício Severo, que atestam "unânimes" o episcopado romano do príncipe dos apóstolos. Limitemo-nos a umas curtas citações:
Caio: falando de S. Vitor, Papa, diz: "Desde Pedro ele foi o décimo terceiro Bispo de Roma"(ad Euseb. 128)
S. Jerônimo: "Simão Pedro foi a Roma e aí ocupou a cátedra sacerdotal durante 25 anos" (De Viris Ill. 1, 1).
S. Agostinho: "S. Lino sucedeu a S. Pedro" (Epist. 53)
Sulpício Severo, falando do tempo de Nero, diz: "Neste tempo, Pedro exercia em Roma a função de Bispo" (His. Sacr., n. 28)
S. Ireneu: "Os apóstolos Pedro e Paulo fundaram a Igreja, e o primeiro remeteu o episcopado a Lino, a quem sucedeu Anacleto e depois Clemente".
Convém notar ainda que todos os catálogos dos Bispos de Roma, organizados segundo os documentos primitivos, pelos antigos escritores, colocam invariavelmente o nome de Pedro à frente de todos.
A Sucessão Apostólica
Agora veremos como o Papa é sucessor direto de S. Pedro, primeiro Bispo de Roma:
Primeiramente, os protestantes deveriam provar que o Papa não é sucessor de S. Pedro, todavia, como eles não tem nenhum texto histórico ou religioso que prove, eles pedem uma prova dos católicos. Eles só negam, nada podem afirmar.
Vamos analisar as Sagradas Escrituras. Lá existe não só a investidura de S. Pedro como chefe visível da Igreja, mas a investidura perpétua dos apóstolos, para serem os "enviados" de Cristo (Mt. 28, 18 - 20): "É me dado todo o poder no céu e na terra; ide pois e ensinai a todos os povos e eis que estou convosco todos os dias até a consumação do mundo".
Que quer dizer isso?
1 - Cristo tem todo poder, é a primeira parte
2 - Cristo transmite este poder, é a segunda parte (Lembremo-nos, no mesmo sentido, da frase: "tudo que ligares na terra será ligado no céu e tudo o que desligares na terra será desligado no céu")
3 - A quem Ele transmite? Aos apóstolos.
4 - Até quando? Até a consumação do mundo
Ora, Cristo transmitiu este poder unicamente aos apóstolos presentes? Não pode ser, pois os apóstolos deviam morrer um dia, como todos os homens morrem. Ele diz: "estarei convosco até à consumação do mundo".
Se Ele promete estar com os apóstolos até o fim do mundo, é claro que ele não está se dirigindo aos apóstolos como pessoas físicas, mas como um "corpo moral", que deve perpetuar-se nos seus sucessores, e hão de durar atá o fim dos tempos.
Eis uma prova evidente que o bispo de Roma, que é o Papa, é o sucessor de S. Pedro e de sua "jurisdição".
A sucessão também é observada nos primeiros cristãos, que nomeavam diáconos e bispos, transmitindo-lhes as obrigações de seus antecessores.
Jesus Cristo, fundando uma sociedade religiosa visível, que devia durar até ao fim do mundo, devia necessariamente nomear um chefe, com sucessão, para perpetuar a mesma autoridade: "Quem vos escuta, escuta a mim" (Mt 28, 18). Se assim não fosse, Nosso Senhor não teria podido dizer: "Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo"; devia ter dito que estaria apenas com S. Pedro até o fim de sua vida. Dessa forma, cumpre-se o que manda a Bíblia: "Um só senhor, uma só fé, um só batismo" (Ef. 4, 5)
(Vide o
Sacramento da Ordem, onde Deus escolhe os seus sacerdotes)
A lista dos primeiros Papas da Igreja
S. Pedro, 42 - 67
S. Lino, 67 - 78
S. Cleto, 78 - 91
S. Clemente, 91 - 100
Santo Evaristo, 100 - 109
Santo Alexandre I, 109 - 119
S. Sixto I, 119- 128
S. Telésforo, 128 - 139
Santo Higino, 139 - 142
S. Pio I, 142 - 150
Santo Aniceto, 150 - 162
S. soter, 162 - 170
Santo Eleutério, 170 - 186
S. Vitor, 186 - 197
S. Zefirino, 197 - 217
S. Calisto I, 217 - 222
Santo Urbano I, 222 - 230
S. Ponciano, 230 - 235
Santo Antero, 235 - 236
S. Fabiano, 236 - 251
S. Cornélio, 251 - 252
S. Lúcio I, 252 - 254
Santo Estêvão I, 254 - 257
S. Sixto II, 257 - 259
S. Dionísio, 259 - 269
S. Félix, 269 - 275
Santo Eutiquiano, 275 - 283
S. Caio, 283 - 295
S. Marcelino, 295 - 304
S. Marcelo, 304 - 310
Santo Eusébio, 310 - 311
S. Melcíades, 311 - 313
S. Silvestre I, 313 - 336
S. Silvestre batizou o imperador Constantino Magno.
O Governo da Igreja (Bispos e Fiéis)
"Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho, sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a Igreja de Deus a qual santificou pelo seu próprio sangue" (At 20, 28)
"Quem vos ouve, a mim ouve; quem vos despreza, a mim despreza; e quem me despreza, despreza aquele que me enviou". (LC 10, 16)
A Bíblia diz claramente que Jesus Cristo fundou uma Igreja sobre Pedro (Mt 16, 18), diz que estaria com ele até o fim do mundo (Mt 28, 13-20), que lhe dava as chaves do reino do céu (Mt 16, 19), que esta Igreja seria coluna e firmamento da verdade (1 Tim 3, 15), que é preciso escutar esta Igreja sob pena de ser tratado como um pagão (Mt 18, 17).
Mesmo em relação à autoridade dos Fariseus e Escribas, apesar de viciados em seus erros, por serem a autoridade legítima, disse Nosso Senhor: "Sobre a cadeira de Moisés se assentaram os escribas e os fariseus; observai, pois, e fazei tudo o que eles vos disserem; mas não imiteis as suas ações" (Mt 23, 2).
Nosso Senhor escolheu, entre seus inúmeros discípulos, apenas doze Apóstolos, (Mt. 10, 2-4). Instruiu-os duma maneira particular, desvendou-lhes o sentido das parábolas que as turbas não compreendiam (Mt. 13, 2) e associou-os à sua obra mandando-lhes que pregassem o reino de Deus aos filhos de Israel (Mt. 10, 5, 42).
Poucos dias antes da Ascenção, Cristo confiou aos doze Apóstolos o poder que antes lhes tinha prometido: "Todo o poder me foi dado no céu e na terra; ide, pois, e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que eu vos tenho ordenado, e estai certos de que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos" (Mt. 28, 19-20). Portanto, conclui Boulenger, Jesus Cristo comunicou aos Apóstolos o poder - 1) de ensinar: "ide e ensinai todos os povos", 2) de santificar, pelos ritos instituídos para este fim e, em particular, pelo batismo, 3) de governar, uma vez que os Apóstolos hão de ensinar o mundo a "observar" tudo o que Ele mandou.
A Hierarquia reconhecida na história:
1) Testemunho de Santo Irineu, argumentando contra os hereges, apresenta o caráter hierárquico da Igreja, como um 'fato notório' que ninguém pode negar, como uma fundação de Cristo e dos Apóstolos. Ora, como podia reivindicar para a Igreja cristão a origem apostólica, se os seus adversários pudessem apresentar provas da fundação recente da hierarquia?
2) Testemunho de S. Policarpo, em meados do sec. II, designa os pastores como "chefes da hierarquia e guardas da fé"
3) No mesmo século ainda podemos citar os testemunhos: a) o de Hegesipo que mostra as Igreja governadas pelos Bispos, sucessores dos apóstolos; b) o de Dionísio de Corinto, que escreve na sua carta à Igreja romana que a Igreja de Corinto guarda fielmente as admoestações recebidas outrora do Papa Clemente.
4) No ano 110, Santo Inácio de Antioquia, em sua Epístola aos Romanos, da Igreja de Roma como do centro da cristandade: "Tu (Igreja de Roma) ensinastes as outras. E eu quero que permaneçam firmes as coisas que tu prescreves pelo teu ensino" (Rom, IV, 1).
5) Cerca do ano de 96, S. Clemente Romano, discípulo imediato de S. Pedro e de S. Paulo, escreveu uma carta aos Coríntios, na qual nos dá da Igreja noção equivalente à de S. Ireneu, apresentando a hierarquia como a "guarda da tradição" e a Igreja de Roma com a primazia universal sobre todas as Igrejas locais.
6) Deste modo, chegamos, de geração em geração, aos tempos apostólicos. Desde o primeiro alvorecer do cristianismo, os Apóstolos desempenharam a dupla função de dirigentes e pregadores. Escolheram Matias para ocupar o lugar de Judas (At 1, 12, 26). Instituíram diáconos nos quais delegaram parte dos seus poderes (At. 6, 1, 6).
Na prática da Igreja também fica claro o poder de governo sobre todos os cristãos. Os Apóstolos exerceram este tríplice poder: a) Poder legislativo: No Concílio de Jerusalém, impõem aos recém-convertidos "que se abstenham das carnes oferecidas aos ídolos, das viandas sufocadas e da impureza" (At 15, 29); b) poder judiciário: S. Paulo entrega a Satanás "Himeneu e Alexandre, para aprenderem a não blasfemar" (I Tim 1, 20); c) poder penal: S. Paulo escreve aos coríntios: "Portanto, eu vos escrevo estas coisas, estando ainda longe de vós, de modo que, quando eu chegar aí, não tenha de castigar, segundo o poder a mim confiado por Deus para edificar, não para destruir" (II Cor 13, 10).
A infalibilidade Papal
(Ver também: "
A Infalibilidade da Igreja")
Vimos que Jesus Cristo fundou uma Igreja hierárquica, conferindo aos Apóstolos e aos Bispos, seus sucessores, os poderes de ensinar, de santificar e de governar. Demonstraremos agora que Jesus ligou ao poder de ensinar o privilégio da "infalibilidade".
Conceito: A infalibilidade é a garantia de preservação de todo erro doutrinal pela assistência do Espírito Santo. Não é simples inerrância de fato, mas de direito. Portanto, não se deve confundir a infalibilidade com a "inspiração", que consiste no impulso divino que leva os escritores sagrados a escreverem o que Deus quer; e nem com a "revelação", que supõe a manifestação duma verdade antes ignorada. O privilégio da Infalibilidade não faz com que a Igreja descubra verdades novas; garante-lhe somente que, devido à assistência divina, não pode errar nem, por conseqüência, induzir em erro, no que respeita a questões de Fé ou moral.
Todavia, não se confunde a "infalibilidade" com a "impecabilidade". A Igreja nunca defendeu a tese de que o Papa não pudesse cometer pecados. O Papa é infalível quando segue as normas da infalibilidade, falando à toda a Igreja, como sucessor de S. Pedro, em matéria de Fé e Moral, definindo (implícita ou explicitamente) uma verdade que deve ser acatada por todos. Em sua vida privada - ou quando não utilizando a fórmula da infalibilidade -, o Papa pode cometer erros e até pecados.
A Existência da Infalibilidade segundo a Razão, a Revelação e a Tradição.
Argumento de razão: Não se justifica que Deus possa ter deixado os homens à sua própria sorte no tocante à doutrina. O "livre exame" protestante gera o subjetivismo e as divisões, condenadas pela Sagrada Escritura. A autoridade de um corpo de apóstolos é necessária, racionalmente, para a realização dos planos de Deus na terra, sob pena de aceitarmos a tese de que Deus não guia seu povo.
Argumento histórico:
Somos chegados ao campo positivo da história. Afinal, o que Jesus devia fazer, segundo a razão, tê-lo-ia feito? Terá instituído uma autoridade viva e infalível encarregada de guardar e ensinar a sua doutrina?
O primeiro ponto, de que Nosso Senhor instituiu uma Igreja hierárquica, com chefes a quem concedeu o poder de ensinar, já está demonstrado anteriormente. Resta agora examinar o segundo ponto, no qual provaremos que o poder de ensinar comporta o privilégio da "infalibilidade".
a) Nos textos da Escritura:
A S. Pedro, em especial, prometeu Jesus Cristo que "as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Igreja)" (Mat. 16, 18); e a todos os Apóstolos prometeu, por duas vezes, enviar-lhes o Espírito de Verdade (Jo. 14, 15; 15, 26) e ficar com eles até ao fim do mundo (Mat 28, 20). Estas promessas significam claramente que a Igreja é indefectível, que os apóstolos e os seus sucessores não poderão errar quando ensinarem a doutrina de Jesus; porque a assistência de Cristo não pode ser em vão, nem o erro estar onde se encontra o Espírito de verdade;
b) No modo de proceder dos Apóstolos:
Do seu ensino se depreende que tinham consciência de ser assistidos pelo Espírito Santo. O decreto do Concílio de Jerusalém termina com estas palavras: "Assim pareceu ao Espírito Santo e a nós" (At. 15, 28). Os Apóstolos pregam a doutrina evangélica "não como palavra de homens, mas como palavra de Deus, que na verdade o é" (1Tes 2, 13), a que é necessário dar pleno assentimento (II Cor 10, 5) e cujo depósito convém guardar cuidadosamente (1 Tim 6, 20). Além disso, confirmam a verdade de sua doutrina com muitos milagres (At 2, 43 etc): prova evidente de que eram intérpretes infalíveis da doutrina de Cristo, de outro modo Deus não a confirmaria com o seu poder;
c) Na crença da antigüidade cristã:
Concedem os nossos adversários que a crença na existência dum magistério vivo e infalível existia já no século III. Basta, portanto, aduzir testemunhos anteriores.
Na primeira metade do século III, Orígenes, aos hereges que alegam as Escrituras, responde que é necessário atender à tradição eclesiástica e crer no que fio transmitido pela sucessão da Igreja de Deus. Tertuliano, no tratado "Da prescrição", opõe aos hereges o "argumento da prescrição" (condenando o que contraria o ensinado pelos apóstolos) e afirma que a regra de fé é a doutrina que a Igreja recebeu dos Apóstolos.
Nos fins do século II, S. Irineu, na carta a Florino e no "Tratado contra as heresias", apresenta a Tradição apostólica como a sã doutrina, como uma tradição que "não é meramente humana". Donde se segue que não há motivo para discutir com os hereges e que estão condenados pelo fato de discordarem desta tradição.
Pelo ano de 160, Hegesipo apresenta, como critério da Fé ortodoxa, a conformidade com a "doutrina" dos Apóstolos "transmitida" por meio dos Bispos, e por esse motivo redige a lista dos Bispos. Na primeira metade do século II, Policarpo e Papias apresentam a doutrina dos Apóstolos como a única verdadeira, como uma regra segura de Fé. Nos princípios do mesmo século, temos o testemunho de Santo Inácio. Afirma este santo que a Igreja é "infalível" e que a incorporação nela é necessária a quem se quer salvar.
Conclusão: tanto através da razão como da história, provamos que o poder de ensinar, conferido por Nosso Senhor Jesus Cristo à Igreja docente, traz consigo o privilégio da "infalibilidade", isto é, que a Igreja não pode errar quando expõe a doutrina de Jesus Cristo.
Agora devemos analisar sobre quem recai a "infalibilidade"
Pelo exposto, fica claro que a "infalibilidade" é privilégio daqueles a quem compete "ensinar", isto é, os Apóstolos e, de modo especial, a S. Pedro e seus sucessores.
A infalibilidade do colégio apostólico provém, portanto: a) da missão conferida a "todos os apóstolos" de "ensinar todas as nações" (Mat 28, 20); b) da "promessa de estar com eles" "até à consumação dos séculos" (Mat 28, 20) e de lhes "enviar o consolador, o Espírito Santo que lhes há de ensinar toda a verdade" (Jo, 14, 26). Estas passagens mostram com evidência que o privilégio da "infalibilidade" foi concedido ao "corpo docente" tomado coletivamente.
A sucessão desse poder deve ser entendida no sentido de que o colégio apostólicos, atualmente composto pelos bispos, é 'infalível' não individualmente em cada bispo, mas no conjunto deles.
No caso de S. Pedro e seus sucessores, a infalibilidade é pessoal. Provaremos isso com argumentos tirados dos textos evangélicos e da história.
O argumento escriturístico deriva dos mesmo textos que demonstram o primado de S. Pedro: "Tu és Pedro...", pois é incontestável que a estabilidade do edifício lhe vem dos alicerces. Se. S. Pedro, que deve sustentar o edifício cristão, pudesse ensinar o erro, a Igreja estaria construída sobre um fundamento inseguro e já se não poderia dizer "as portas do inferno não prevalecerão contra ela".
Depois, com o "Confirma fratres" ("confirma os irmãos"), Nosso Senhor assegurou a Pedro que pedira de modo especial por ele, "para que sua fé não desfaleça" (Luc 22, 32). É evidente que esta prece feita em circunstâncias tão solenes e tão graves (o momento da paixão de Nosso Senhor) não pode ser frustrada.
Finalmente, com o "Pasce Oves" (apascenta as minhas ovelhas), foi confiada a Pedro a guarda, o governo, de todo o rebanho. Ora, não se pode supor que Jesus Cristo tenha entregue o cuidado do seu rebanho, colocando S. Pedro como Pastor, a um pastor que pudesse desencaminhar as ovelhas eternamente, ensinando o erro.
O Argumento histórico da infalibilidade de S. Pedro:
A crença da Igreja não se manifestou da mesma forma em todos os séculos. Houve, na verdade, certo desenvolvimento na exposição do dogma e até no uso da infalibilidade pontifícia; mas nem por isso o dogma deixa de remontar aos primeiros tempos, e de fato já o encontramos em germe na Tradição mais afastada, como se demonstra pelo sentir dos Padres da Igreja e dos concílios, e pelos fatos:
No século II, S. Irineu afirmava que todas as Igrejas se devem conformar com a de Roma, pois só ela possui a verdade integral.
S. Cipriano dizia que os Romanos estão "garantidos na sua fé pela pregação do Apóstolo e são inacessíveis à perfídia do erro" (o apóstolo dos romanos é S. Pedro).
S. Jerônimo, para pôr termo às controvérsias que afligiam o Oriente, escreveu ao Papa S. Dâmaso nos seguintes termos: "Julguei que devia consultar a este respeito a cadeira de Pedro e a fé apostólica, pois só em vós está ao abrigo da corrupção o legado dos nossos pais".
S. Agostinho diz a propósito do pelagianismo: "Os decretos de dois concílios relativos ao assunto foram submetidos à Sé apostólica; já chegou a resposta, a causa está julgada", "Roma locuta est, causa finita est".
O testemunho de S. Pedro Crisólogo não é menos explícito: "Exortamo-vos, veneráveis irmãos, a receber com docilidade os escritos do santo Papa da cidade de Roma, porque S. Pedro, sempre presente na sua sede, oferece a fé verdadeira aos que a procuram".
O que fica dito anteriormente acerca do primado do Bispo de Roma, aplica-se com a mesma propriedade ao reconhecimento de sua infalibilidade.
No século II, o papa Victor excomungou Teódoto que negava a divindade de Cristo, com uma sentença tida por todos como definitiva. Zeferino condenou os Montanistas, Calisto os Sabelianos, e, a partir destas condenações, foram considerados como hereges. Em 417, o papa Inocêncio I proscreveu o pelagianismo, e a Igreja reconheceu o decreto como definitivo. Em 430, o papa Celestino condenou a doutrina de Nestório, e os Padres do Concílio de Éfeso seguiram a sua opinião.
O concílio de Calcedónia (451) recebeu solenemente a célebre carta dogmática do Papa Leão I a Flaviano, que condenou a heresia de Eutiques, proclamando unanimemente: "Pedro falou pela boca de Leão". Do mesmo modo os Padres do III Concílio de Constantinopla (680) aclamaram o decreto do Papa Agatão que condenava o monotelitismo, dizendo: "Pedro falou pela boca de Agatão".
Como se vê, desde os primeiros séculos a Igreja romana é reconhecida como o "centro da fé" e como a "norma segura da ortodoxia". Quanto mais avançamos, tanto mais explícitos são os termos que nos manifestam a universalidade desta crença, proclamada como dogma no I Concílio Vaticano.
Finalmente, podemos afirmar que nunca um Papa, na história da Igreja, proclamou, segundo a fórmula da infalibilidade, um erro doutrinário.
Unidade da mesma Igreja
Apenas com um chefe visível, infalível, se pode cumprir a unidade do "corpo místico de cristo".
Em relação à doutrina:
1) "Quem não está comigo é contra mim"(Mt 12,30)
2) "Um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos" (Ef 4, 3-6)
3) "Não rogo apenas por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão de crer em mim. Para que todos sejam um, assim como Tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste"(Jo 17,20-21).
4) "Recomendo-vos, irmãos, que tomeis cuidado com os que produzem divisões contra a doutrina que aprendestes. Afastai-vos deles" (Rm 16, 17).
5) "Se alguém vos anunciar um evangelho diferente, seja execrado, isto é, seja excomungado"(G. 1,7-9).
Em relação ao culto:
1) "Porque há um só pão, um só corpo somos nós, embora muitos, visto participarmos todos do único pão" (1Cor 10,17)
2) "A multidão dos fiéis tinha um só coração e uma só alma"(At 4, 32)
3) "Esforçai-vos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz" (Ef. 4,3).
Em relação à unidade de Governo:
1) "Irmãos, conjuro-vos que sejais sempre perfeitamente unidos num só sentimento e num mesmo pensar" (1 Cor 1,10)
2) "Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Estas tenho de reunir, e elas ouvirão a minha voz. E então haverá um só rebanho e um só pastor" (Jo. 10,16; Mt 16, 15-16).
O próprio fato de S. Paulo ter procurado a unidade na questão da circuncisão deixa patente a existência de uma Igreja una. No concílio que decidiu essa questão, em Jerusalém, foi S. Pedro quem falou primeiro e quem deu a última palavra sobre a questão: "Então toda a assembléia silenciou"(At 15, 7-12), obedecendo ao Chefe do Colégio Apostólico.
Nas Sagradas Escrituras, é só folhear os Atos dos Apóstolos e verificar o crescimento da Igreja (a mesma e una) desde o início até os dias de hoje.
A Igreja cresceu rápida, veloz, ao ponto que S. Paulo pôde compará-la com "um edifício vastíssimo, tendo os apóstolos por alicerce e Cristo como pedra angular." (Ef. 2, 20)
Tertuliano se atrevia a escrever no seu Apologético, dirigido ao imperador romano: "Somos de ontem, e já enchemos as cidades, as ilhas, os castelos, os acampamentos, as aldeias e os campos; só deixamos vazios os vossos templos. Se nos retirassem, o império ficaria deserto".
A Igreja de Cristo vai crescendo e se espalhando, "multitudo ingens", diz Tácito, falando do tempo de Nero (Anais 15, 44), formando uma "imensa multidão", até que, afinal, dominando e vencendo a tirania dos imperadores pagãos, logre o reconhecimento oficial, com o reinado de Constantino Magno, primeiro imperador cristão.
Foi nesse tempo, em 325, que se reuniu o primeiro concílio dos bispos católicos, em Nicéia, ao qual compareceram 318 bispos, sob a presidência de Ósio, bispo de Córdova, assistido de dois legados do Papa (de Roma), S. Sivestre.
Portanto, a história e a bíblia são claros ao narrar a expansão da mesma Igreja, fundada por Nosso Senhor sobre S. Pedro, em unidade.