quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

“Eu vos anuncio uma grande alegria: nasceu o Salvador, que é o Cristo Senhor”





Belém de Judá (Palestina) –– Ano 1 da era cristã.

É inverno. Fora da cidade, rebanhos de cabras e carneiros são vigiados por rudes pastores, os quais, na entrada da noite, recolhem seus animais em cavernas ou sob as saliências dos rochedos, muito abundantes naquela região calcária, para protegê-los das intempéries e da investida de animais ferozes.

A cidade, sentada como rainha no cume de uma colina de setecentos metros de altura, faz jus a seu nome:

Belém Ephrata, isto é, a fértil casa do pão. Suas encostas sorriem com a abundância de suas vinhas e olivais, ela é rica em suas colheitas. É nessa fértil casa do pão, numa daquelas cavernas, reclinado em uma manjedoura, que acaba de nascer Jesus Cristo, o pão vivo dos homens, descido do Céu!

Aqueles pastores, deserdados da fortuna, são muito mal vistos pelos judeus das sinagogas. Com efeito, vivem como nômades, longe do Templo e das casas de oração, sem condições de se conformarem à observância estrita dos ritos judaicos. E isso era inadmissível para um fariseu!

Contudo, entre eles havia almas retas e corações puros. E aconteceu que naquela noite alguns velavam e guardavam o seu rebanho. “E eis que apareceu junto deles um Anjo do Senhor, e a claridade de Deus os envolveu, e tiveram grande temor. Porém, o Anjo disse-lhes: Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo. Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc. 2, 8-11).

* * *

A noite ia em seu meio. As trevas tinham chegado ao auge de sua densidade. Tudo em torno dos rebanhos era interrogação e perigo. Quiçá alguns pastores, relaxados ou vencidos pelo cansaço, estivessem dormindo. Entretanto, outros havia a quem o zelo e o senso do dever não consentiam o sono.

Subitamente, uma luz apareceu para estes e os envolveu. Toda a sensação de perigo se desfez. E lhes foi anunciada por um Anjo a solução por excelência para todos os problemas e todos os riscos. Muito mais do que os problemas e os riscos de alguns pobres rebanhos ou de um pequeno punhado de pastores. Muito mais do que os problemas e os riscos que põem em contínuo perigo todos os interesses terrenos.

Sim, foi-lhes anunciada a solução para os problemas e os riscos em relação ao que o homem tem de mais nobre e mais precioso, isto é, a alma. Os problemas e os riscos que ameaçam, não os bens desta vida –– que, cedo ou tarde, perecerão ––, mas a vida eterna, na qual tanto o êxito quanto a derrota não têm fim.

Esses pastores, esses rebanhos, essas trevas, lembram a situação do mundo no dia do primeiro Natal.

* * *

Numerosas fontes históricas daquele tempo longínquo nos relatam que se apoderara de muitos homens de então a sensação de que o mundo havia chegado a um fracasso irremediável, de que um emaranhado inextricável de problemas fatais lhes fechava o caminho, de que estavam em um fim de linha além do qual só se divisava o caos e a aniquilação.

O mais cruciante da situação em que se encontrava o Mundo Antigo não estava em que os homens não tivessem o que queriam. Consistia em que, grosso modo, dispunham do que desejavam, mas depois de terem feito laboriosamente a aquisição desses instrumentos de felicidade, não sabiam o que fazer deles. De fato, tudo quanto haviam desejado ao longo de tanto tempo e de tantos esforços, lhes deixava na alma um terrível vazio. Mais ainda, não raras vezes atormentava-os. Pois o poder e a riqueza de que não se sabe tirar proveito para a glória de Deus servem tão-só para dar trabalho e produzir aflição.

Assim, em torno dos homens, tudo eram trevas. –– E nessas trevas, o que faziam eles? –– O que fazem os homens sempre que baixa a noite. Uns correm para as orgias, outros afundam no sono. Outros, por fim –– e quão poucos ––, fazem como os pastores zelosos: vigiam, à espreita dos inimigos que saltam no escuro para agredir; apressam-se para lhes dar rudes combates; oram com as vistas postas no céu escuro, e as almas confortadas pela certeza de que o sol raiará por fim, dissipará todas as trevas, eliminará ou fará voltar a seus antros todos os inimigos que a escuridão acoberta e convida ao crime.

No Mundo Antigo, entre os milhões de homens esmagados pelo peso da cultura e da opulência inúteis, havia homens de escol que percebiam toda a densidade das trevas, toda a corrupção dos costumes, toda a inautenticidade da ordem, todos os riscos que rondavam em torno do homem, e sobretudo toda a loucura a que conduziam as civilizações baseadas na idolatria.

Essas almas de escol não eram necessariamente pessoas de uma instrução ou de uma inteligência privilegiadas. Pois a lucidez para perceber os grandes horizontes, as grandes crises e as grandes soluções, vem menos da penetração da inteligência do que da retidão da alma.

De tal situação, davam-se conta os homens retos de então, para os quais a verdade é a verdade, e o erro é o erro. O bem é o bem, e o mal é o mal. As almas que não pactuavam com os desmandos do tempo, acovardadas pelo riso ou pelo isolamento com que o mundo cerca os inconformados. Eram almas deste quilate, raras e esparsas um pouco por toda parte, que vigiavam naquela noite, oravam, lutavam e esperavam a Salvação.

Esta começou a vir para aqueles pastores fiéis.

O velho mundo, adorador da carne, do ouro, e dos ídolos, morria. Um mundo novo nascia, baseado na Fé, na pureza, na ascese, na esperança do Céu.

Nosso Senhor Jesus Cristo resolverá tudo.

* * *


Nos tristes dias em que vivemos há ainda, daqui, dali e acolá, homens de boa vontade autênticos, que vigiam nas trevas, que lutam no anonimato, que fitam o Céu esperando com inquebrantável certeza a luz que voltará!

Esses homens de boa vontade ignotos, esses genuínos continuadores dos pastores de Belém, entendam como dirigidas a si próprios as palavras do Anjo: “Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria: nasceu o Salvador”.


Fontes de referência:

1. Cônego Duarte Leopoldo e Silva, Concordância dos Santos Evangelhos, Escola Typographica Salesiana, São Paulo, lª edição, 1903.

2. Plinio Corrêa de Oliveira, “Luz, o grande presente” in “Folha de S. Paulo”, 26-12-7l.

3. R. P. Berthe,Jésus-Christ - Sa vie, sa passion, son triomphe, Librairie Téqui, Paris, 57ª edição, 1924.

4. Ferdinand Prat, Sj. Jésus-Christ – Sa vie, sa doctrine, son oeuvre, Beauchesne et ses Fils, Paris, 16ª edição, 1947.

5. Santo Antonio Maria Claret, Selectos panegíricos, Librería Religiosa - Imprenta de Pablo Riera, Barcelona, 1860, tomo I.

sábado, 12 de dezembro de 2009

A aldeia, o Pintor e a Rainha




Logo no início deste mês, nossos olhos e nossos corações voltam-se para o Santo Natal. Voltam-se para a manjedoura onde repousa um Menino – o Divino Infante, adorado por sua Mãe Puríssima e São José, numa fria gruta de Belém. A alegria e a atmosfera natalina penetram nossos lares, brilham nos olhares inocentes, enchem de júbilo nossas almas. Mas, lamentavelmente, esse clima está quase desaparecendo nos dias de hoje. Não deixemos que isso aconteça! Depende de cada um de nós. Todos podem dar seu contributo para impedir que se distancie da face da Terra o ambiente próprio ao Natal, outrora tão marcante.




Wilson Gabriel da Silva




A pequena cidade ao pé dos Alpes vai mergulhando na quietude, à medida que um curto dia de inverno vai declinando. A neve cobre a paisagem, como alvo manto que aos poucos vai adquirindo tonalidades azuladas, enquanto as últimas claridades do dia disputam com a penumbra que avança. A fumaça sobe com elegância do alto das chaminés, e se difunde o agradável aroma de variados quitutes. Entrecortam o silêncio, aqui e acolá, o cacarejar de algumas galinhas que se acomodam no poleiro, o latir de um cão. Tudo indica a natureza preparando-se para o repouso.
De vez em quando, os refrãos de uma cantoria profana partem de um beco unido à rua principal. Sem dúvida, alguns folgazões antecipam na taverna a festa que terá lugar nas casas de família. Pela calçada, duas mulheres sobem decididamente em direção à praça. Os olhares denunciam o comentário irônico a respeito da taverna. A mais distinta não esconde sua reprovação, prevendo talvez os resultados do excesso de bebida.




A atmosfera natalina




De longe, aproximam-se a passo lento dois homens, reflexivos. Um carrega o peso da idade e da vida. O outro, jovem, tem na face a marca da fúria das paixões. Do alto da praça, o esguio campanário da igrejinha, co roado por sua cúpula dourada, domina o vilarejo. Subindo as escadarias, a catequista conduz um alegre bando de crianças. O soar compassado do velho sino anunciando o Angelus parece convidar todos a buscar lenitivo no sacramento da penitência. Dentro da igreja, um padre atende pacientemente a longa fila de confissões. Junto ao órgão, um coral afina os últimos acordes das músicas que serão cantadas na Missa do Galo: Stille Nacht, heilige Nacht... "Noite silenciosa, noite sagrada..." É véspera de Natal!
Se as ruas estão quase vazias, dentro das casas a vida é intensa. Na cozinha, as mulheres preparam com afã deliciosos pratos que serão servidos na ceia, enquanto conversam animadamente. No salão, a juventude da casa decora o presépio e a árvore de Natal. O avô entretém alguns netinhos com histórias de outros tempos. Uma pequena roda de homens conversa no salão. Animação, calma, reflexão, alegria primaveril, são sentimentos que se misturam nesse ambiente familiar profundamente católico.




O Redentor da humanidade



De um ambiente assim brotou a célebre canção natalina conhecida entre nós como Noite feliz. Ainda hoje encontram-se aqui e acolá, na Europa cristã, restos vivos de tradições que deram origem, por exemplo, à floração de canções natalinas (só nos países de língua alemã, são milhares). O mesmo se poderia dizer de contos e legendas, de brinquedos infantis ricos em inspiração e beleza.




Por quê?



Simplesmente porque é Natal. O Divino Infante faz da pobre manjedoura seu trono de glória, distribuindo graças de bondade que abrandam os corações, aplacam os rancores, dissipam os maus humores e dispõem as almas à prática da virtude.
Talvez se possa dizer que o Natal é a festa da inocência, porque nasceu o Inocente por excelência, Nosso Senhor Jesus Cristo. O Verbo de Deus encarnou nas entranhas puríssimas de Maria, e depois entregou-se à morte na cruz para nos resgatar a todos de toda iniqüidade1. Ou seja, do pecado, que é, em sua sordidez, imundície, feiúra, maldade, tirania, o oposto da inocência.
Somos todos pecadores porque, filhos de Adão, nascemos com o pecado original. Mas o Natal revela muito bem a diferença que existe entre o pecador purificado pelas águas
do batismo, que conservou a inocência batismal ou então reconhece seus pecados atuais, bate no peito com humildade e busca o perdão, e aquele que orgulhosamente desafia a Deus, estadeando sua revolta. Os inocentes e os contritos, refugiando-se junto ao Menino Jesus e Maria Santíssima, encontrarão a paz e a felicidade que são possíveis neste vale de lágrimas. Os revoltados viverão perpetuamente na geena da inveja, do remorso, do ódio e do desespero.

Cidades que são pedaços do Céu




“Senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos por escabelo de teus pés”, diz o Padre Eterno ao Verbo encarnado.
Quem são esses inimigos contra os quais Nosso Senhor vem para triunfar? O demônio, o mundo e a carne; e os que tramam com o poder das trevas.
Se quisermos, pois, reconstruir a cidade ideal, onde reine a ordem, o bem, a verdade, a beleza, devemos compreender a fundo essa oposição irreconciliável entre a virtude e o pecado. Será preciso que seus habitantes e dirigentes — sejam eles eclesiásticos ou leigos, nobres ou plebeus — pratiquem integralmente os Mandamentos, tenham verdadeira devoção a Nossa Senhora e espírito de luta contra os inimigos de Cristo e da Igreja, seu Corpo Místico. Somente a sociedade imbuída desse espírito profundamente cristão poderá gerar famílias, aldeias, cidades e regiões tão encantadoras que parecem pedaços do Céu.
Cidades que são pedaços do Céu
“Senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos por escabelo de teus pés”, diz o Padre Eterno ao Verbo encarnado2.
Quem são esses inimigos contra os quais Nosso Senhor vem para triunfar? O demônio, o mundo e a carne; e os que tramam com o poder das trevas.
Se quisermos, pois, reconstruir a cidade ideal, onde reine a ordem, o bem, a verdade, a beleza, devemos compreender a fundo essa oposição irreconciliável entre a virtude e o pecado. Será preciso que seus habitantes e dirigentes — sejam eles eclesiásticos ou leigos, nobres ou plebeus — pratiquem integralmente os Mandamentos, tenham verdadeira devoção a Nossa Senhora e espírito de luta contra os inimigos de Cristo e da Igreja, seu Corpo Místico. Somente a sociedade imbuída desse espírito profundamente cristão poderá gerar famílias, aldeias, cidades e regiões tão encantadoras que parecem pedaços do Céu.
Essa é a impressão que se pode ter ainda hoje em alguns lugares, mas que infelizmente conservam apenas a casca, já não têm mais o conteúdo da vida católica que possuíam no passado.
É compreensível que, numa civilização autenticamente cristã, a Terra possa assemelhar-se ao Céu. Pois se uma sociedade vive realmente da seiva de Nosso Senhor Jesus Cristo, recebida através dos sacramentos, em suas obras resplandecerá forçosamente a fé e o espírito católico de que ela vive.




A cidade do demônio



Pela via do contraste, compreenderemos igualmente a situação atual do mundo, no campo temporal como no espiritual.
Nas cidades, o império do crime, por vezes organizado e triunfante. Basta lembrar algumas referências: Rio, São Paulo, Comando Vermelho, PCC, corrupção, narcotráfico, Estado paralelo. Nos meios de comunicação e diversão, a pornografia cada vez mais freqüente e vitoriosa, acompanhada da homossexualidade, inclusive em sua variante particularmente abjeta, a pedofilia. Nos poderes públicos, freqüente desinteresse pelo autêntico bem comum, que leva a proporcionar os meios sociais adequados para glorificar a Deus e facilitar a salvação das almas. Quanto aos princípios teóricos de governo, quando estes existem, são em geral pelo estabelecimento da igualdade revolucionária, e portanto injusta; bem como de práticas imorais, traduzidas em leis e reformas como as que têm sido implantadas em âmbito universal.
Acelera-se, por outro lado, a desagregação das famílias com a banalização dos divórcios e a generalização do amor livre. Com o triunfo do hedonismo e a busca
egoísta do prazer pelo prazer, assassinam-se os filhos mediante os abortos, ou não se educam cristãmente os que nasceram. Numa época em que pais matam os próprios filhos, há também filhos que matam os pais. Tal é a triste situação das pessoas e das famílias que, deixando-se arrastar pela pressão da sociedade neopagã, dobram os joelhos diante dos ídolos contemporâneos: a televisão, a moda, os que ditam as regras nas rodas sociais.




A crise na Igreja



E a Santa Igreja Católica, a única verdadeira Igreja de Deus?
É melhor calar. Lê-se no Gênesis que o Patriarca Noé, tendo-se embriagado por inadvertência, ficou nu. Um de seus filhos viu-o e foi contar despudoradamente aos irmãos. Por isso sua descendência foi amaldiçoada, ao contrário dos outros, cuja preocupação foi de cobrir a nudez paterna, evitando fitá-la. Esse mesmo respeito filial, devemos tê-lo em relação à Igreja. O que não significa fechar os olhos à realidade ou pactuar com o mal de tantos pastores que a si mesmos se degradam. Pois é público e notório que a Igreja se vê envolta hoje em uma crise sem precedentes, cuja gravidade tem sido reconhecida mesmo pelas mais altas autoridades eclesiásticas4. Ademais, a meditação dessa dolorosa crise seria mais própria à Semana Santa do que às alegrias do Natal.




O celeste pintor



Nossas considerações podem ser resumidas numa metáfora empregada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Comparou ele a história do mundo e da Igreja a um grande quadro, onde um celeste pintor teria representado toda a beleza e ordem da Criação. Para maior brevidade, imaginemos a aldeia descrita no início deste artigo, não com suas limitações, mas acrescida de todas as perfeições possíveis, refulgindo em todo o seu esplendor: harmonia das classes sociais, das famílias, das pessoas de todas as idades e condições, das demais criaturas dos reinos animal, vegetal e mineral. Tudo estaria ali representado em conformidade com os planos de Deus, dando uma idéia do paraíso terrestre.
Na calada da noite, enquanto o celeste pintor adormece, a mão misteriosa de um ente maligno adultera completamente esse quadro: o comerciante digno e honesto tornou-se vulgar ladrão; a linda e virtuosa princesa é agora vil prostituta; o nobre e heróico cavaleiro transformou-se em repugnante efeminado; o grande rei bondoso transformou-se em desprezível escravo revoltado; a criança inocente passou a ser a própria encarnação do vício. As mesmas adulterações se verificam nas paisagens e demais detalhes: palácios de conto de fadas transformados em horríveis pardieiros; lindos pássaros tornaram-se monstros; até a vegetação ficou pavorosa e agressiva, como num retrato do inferno.
Pode-se imaginar o assombro e a indignação do celeste pintor diante dessa pavorosa desfiguração de sua obra? Haverá exagero nessa comparação entre o mundo de hoje — deformado por uma Revolução que vem corrompendo a civilização cristã desde o século XVI — e os desígnios do celeste pintor, o próprio Deus?




Como “restaurar” o Natal?



Em suas linhas essenciais, a metáfora retrata sem dúvida a ação satânica para desfigurar a Santa Igreja Católica e demolir brutalmente a Civilização Cristã.
Se notamos traços desse pesadelo neste Natal de 2002, o que fazer? Se não sentimos mais aquele clima natalino, outrora tão acentuado e que se percebia em todos os lugares, o que fazer?
Se a frágil barquinha de nossa alma, ou mesmo a barca da Igreja, for agitada pelas borrascas deste mundo, saibamos manter inabalável a confiança no Coração de Jesus e de Maria5.
Voltemos nosso olhar para o presépio. Aquele Menino envolto em panos e aquecido pelo bafo dos animais é o Anjo do Grande Conselho, é o Filho de Deus! "Senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos por escabelo de teus pés", diz-lhe o Padre Eterno, com o qual Ele é Um. Em outras palavras, aquele frágil Menino é Deus onipotente, Criador dos Céus e da Terra! É Ele o celeste pintor, e portanto pode anular num instante a deformação realizada em sua obra pelo Maligno!
Mas o que posso eu, pobre mortal, “vermezinho e miserável pecador6”? O que podeis vós, leitor, leitora?
“Tudo posso naquele que me conforta”, devemos responder com São Paulo7. Mas poderemos muito mais ainda se nos voltarmos para a Rainha de quem o Menino Deus quis depender totalmente para vir morar entre os homens.
Vida, doçura, esperança nossa, Maria pode tudo junto ao Altíssimo. Mãe de Cristo, Mãe nossa! Advogada nossa! É só nos ajoelharmos diante do Presépio, pedirmos tudo o que quisermos ou tudo o que Ela nos quiser dar. Rainha dos corações, Ela pode obter de seu Filho os maiores milagres espirituais ou físicos. Jesus tem poder sobre os vulcões e os terremotos, os ventos e os mares. Ele pode transformar as pedras brutas em filhos de Abraão, ou seja, em homens justos! E Maria Rainha tem o poder da súplica sobre seu Filho onipotente!
Nesse sentido, leitor, se possível, monte um Presépio em seu lar; reze com sua família diante dele; pode também enfeitar uma árvore de Natal; narre aos filhos contos natalinos tradicionais; fale a respeito das cenas relacionadas com o nascimento do Menino Jesus; ensine aos pequenos as belas canções natalinas antigas; mostre que Natal não é sinônimo de presentes, sobretudo não é ocasião de comércio, muito menos de passeios; na noite de Natal, prepare uma ceia iluminada à luz de velas e iniciada por orações próprias para a ocasião. Esses são alguns meios entre vários, mas de que todos dispomos para con
tribuir para restaurar um pouco da atmosfera de Natal em nossas casas. Quem sabe os vizinhos imitem, e se forme assim uma cadeia de luzes! Até o momento bendito e tão esperado em que, por iniciativa de Deus, essa aprazível e benéfica atmosfera de bênçãos e graças se expanda vitoriosamente pelas cidades, pelo País, pelo mundo.






Notas:



1.Cf. Epístola a Tito 2, 11-15.
2.Gradual da primeira Missa de Natal.
3.Gen. 9, 20-27.
4.Por exemplo: Paulo VI, na alocução Resistite fortes in fide, de 29 de junho de 1972; João Paulo II, na alocução de 6 de fevereiro de 1981 aos participantes do congresso "Missões junto ao povo para os anos 80"; Cardeal Ratzinger, no livro Rapporto sulla fede (Paoline, Milano, 1985, pp. 27 ss.).
5.Os corações — ou seja, as vontades, as mentalidades de Jesus e de Maria — são de tal maneira unidos, que formam como que um só coração, segundo a espiritualidade ensinada por São João Eudes.
6.Consagração à Sabedoria Eterna e Encarnada pelas mãos de Maria, de São Luís Maria Grignion de Montfort.
7.Epístola aos Philipenses, 4,13.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A Satíssima Virgem, a tradição e o Natal













O mundo moderno não dá o devido valor à verdadeira tradição.
Entretanto, mesmo recentes descobertas científicas a confirmam.





No mundo pragmático e materialista de hoje, em geral as pessoas costumam acreditar só naquilo que vêem documentado em papéis repletos de carimbos. Quanto ao Natal, por exemplo, muitos julgam legítimo pôr em dúvida quase tudo. Motivo? Onde está o papel escrito, a certidão provando que o nascimento do Menino Jesus foi no dia 25 de dezembro? Que ocorreu na cidade de Belém, a Bíblia o atesta, mas não precisa a data. Não será uma data convencional? Se não há uma certidão escrita, não há certeza...
Tal raciocínio despreza totalmente o valor da tradição, aquilo que nossos antepassados foram transmitindo de geração em geração.
Entretanto, justamente neste século adorador da ciência, esta vem confirmar a tradição. Não apenas nas maravilhosas descobertas sobre o Santo Sudário de Nosso Senhor, ou sobre a santa casa de Loreto, a ciência vem corroborando aquilo que a tradição sempre ensinou. Agora também, a respeito do Natal, a ciência vem confirmar que a tradição não mentiu. Como?


Nossa Senhora e a tradição



A uma pessoa com mentalidade católica, parece impossível pensar que a Santíssima Virgem não tivesse contado aos Apóstolos — e estes, por sua vez, não houvessem comunicado a seus discípulos — numerosas informações a respeito do nascimento do Divino Redentor. Entre elas, é óbvio, indicou a data de tão importante acontecimento. Não apenas isto, mas os fiéis devem ter guardado relíquias do memorável fato. Assim, por exemplo, o presépio onde Nosso Senhor nasceu encontra-se na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma.
A tradição católica sempre ensinou ser o dia 25 de dezembro a data do Natal. Nesse fato, pode-se vislumbrar ademais um simbolismo: é um dos dois períodos do ano em que a Terra está mais distante do sol. E Nosso Senhor teria querido nascer nesse dia, uma vez que os homens nunca tinham estado tão afastados de Deus, o sol de justiça.





O testemunho dos evangelistas





Lendo a Sagrada Escritura, verificamos que, dos quatro evangelhos, só dois falam do nascimento do Menino-Deus. Um deles é o de São Mateus, atestando que Nosso Senhor nasceu em Belém, no reinado de Herodes, o que determina a época, mas não a data. O Evangelho de São Lucas é bem mais detalhado, e fornece dados valiosos para se determinar a data exata do nascimento do Messias.
Esse texto bíblico começa narrando o nascimento de São João Batista. Diz que seu pai, o sacerdote Zacarias, estava prestando serviço litúrgico no Templo de Jerusalém quando lhe foi revelado pelo Arcanjo São Gabriel que lhe nasceria um filho — o precursor do Messias. E que, tendo terminado seu turno no Templo, retornou ele para sua casa, e poucos dias depois sua mulher, Santa Izabel, concebeu São João Batista. Aos seis meses exatos dessa concepção — prossegue o mesmo evangelista — deu-se a Anunciação a Maria (Lc 1, 26).

Assim, temos a possibilidade de conhecer a data do Natal: se soubermos qual a data em que São Zacarias oficiava no Templo, e sabendo que seis meses depois ocorreu a Anunciação, basta acrescentarmos nove meses para obtermos a data do Nascimento de nosso Salvador.





Descoberta arqueológica





Para as datas se ajustarem, São Zacarias deveria estar oficiando no Templo em fins de setembro. Seis meses depois chega-se ao mês de março, e após nove meses atinge-se os últimos dias de dezembro.
Os levitas do Templo de Jerusalém dividiam-se em 24 classes sacerdotais, que se revezavam todo o ano numa ordem imutável. Cada grupo prestava serviço durante uma semana, duas vezes ao ano. Sabemos que São Zacarias pertencia à classe de Abias, que era a oitava do elenco oficial.
A respeito dessa questão, pairava uma dúvida: ninguém conhecia as datas em que cada grupo oficiava, o que era um empecilho para determinar uma data com precisão. Mas recentemente se fez uma descoberta capital. Descreve-a o conhecido jornalista Vittorio Messori, em artigo intitulado Jesus nasceu verdadeiramente em 25 de dezembro, no diário “Corriere della Sera”, de Milão, em 9-7-03:
“Utilizando pesquisas desenvolvidas por outros especialistas e trabalhando sobretudo em textos encontrados na biblioteca dos essênios de Qumram, o enigma foi revelado pelo professor Shemarjahu Talmon, o qual ensina na Universidade hebraica de Jerusalém. Ou seja, o estudioso conseguiu precisar em que ordem cronológica sucediam-se as 24 classes sacerdotais. A de Abias prestava serviço litúrgico no templo duas vezes por ano, como as outras, e uma dessas vezes era na última semana de setembro. Portanto, era verossímil a tradição cristã oriental que situa entre 23 e 25 de setembro o anúncio a Zacarias. Mas tal verossimilhança aproxima-se da certeza porque, estimulados pela descoberta do professor Talmon, os estudiosos reconstruíram o fio daquela tradição, chegando à conclusão de que ela provinha diretamente da Igreja primitiva judeu-cristã de Jerusalém”.



A ciência e a tradição



Surpreendente? Sim e não. Sim, porque a forma encontrada para resolver o caso passa por um pequeno detalhe ressaltado no Evangelho: que São Zacarias pertencia à classe de Abias. Sim, também, pelo fato de ter sido a descoberta feita por uma pessoa que não é católica. Por outro lado não, porque até agora nenhuma pesquisa científica séria conseguiu contradizer os dados da tradição cristã.
Paira entretanto uma pergunta: por que existe tanto desprezo e desconfiança contra a tradição católica? Se analisarmos bem o problema, veremos que, no fundo, a razão disso é que ela revela a contínua intervenção de Deus na História.
Quantas vezes uma verdade poderia ter sido desvirtuada por boatos e mal-entendidos... O fato de que uma verdade comunicada no século I tenha chegado a nossos dias sem deformações, só pode ser explicado por um auxílio sobrenatural. Naturalmente falando, uma tal transmissão, atravessando os séculos e passando por povos diferentes, poderia ter-se deformado. Mas Deus protege sua Igreja, impedindo a distorção de uma verdade.
A tradição desperta igualmente a antipatia de certas pessoas contaminadas pela mentalidade moderna, segundo a qual tudo está em contínua mudança, devendo-se, em conseqüência, ter em vista mais o futuro e não o passado. Revelar até que ponto o passado está presente em nossos dias irrita tais mentalidades modernizantes e progressistas.
Mas, para alegria dos verdadeiros católicos, mais uma vez a tradição foi confirmada. E podemos agradecer a Nossa Senhora o nascimento do Verbo Encarnado na data já consagrada pelo decurso de tantos séculos.









Autor: Valdis Grinsteins Fonte: Catolicismo